Da Redação
A confirmação do primeiro caso de gripe aviária em uma granja comercial no Brasil reacendeu um alerta global sobre o vírus influenza H5N1 — uma cepa considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos patógenos com maior potencial de causar a próxima pandemia. Detectado pela primeira vez em 1996, na China, o H5N1 já circula entre aves e mamíferos ao redor do mundo, e, ocasionalmente, dá o salto para seres humanos. Embora os casos humanos ainda sejam raros e esporádicos, a elevada taxa de mortalidade e o crescente número de espécies infectadas colocam a comunidade científica em estado de vigilância permanente.
O que é a gripe aviária?
A gripe aviária é uma infecção causada por subtipos do vírus influenza A que circulam, principalmente, entre aves. O H5N1 é o subtipo mais conhecido e preocupante por sua capacidade de provocar doenças graves, tanto em aves quanto em humanos. Ele se dissemina rapidamente entre animais por meio de secreções respiratórias ou contato com fezes contaminadas. A transmissão para humanos ocorre geralmente por meio do contato direto com animais infectados ou superfícies contaminadas — como ocorre em granjas ou em atividades de abate e manipulação de carcaças.
Sintomas em humanos: do leve ao potencialmente letal
De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, os sintomas da gripe aviária em humanos podem variar amplamente, dividindo-se entre manifestações leves e quadros graves.
Sintomas leves a moderados:
· Conjuntivite (vermelhidão e irritação nos olhos);
· Febre moderada (acima de 37,8 °C);
· Tosse, dor de garganta e nariz entupido ou escorrendo;
· Dores musculares e de cabeça;
· Fadiga;
· Diarreia, náuseas e vômitos (em casos menos comuns).
A conjuntivite tem sido um dos sintomas mais comuns nos casos recentes dos EUA. Já os sintomas mais graves incluem:
Sintomas graves:
· Febre alta persistente;
· Dificuldade respiratória;
· Alterações de consciência e convulsões;
· Pneumonia, insuficiência respiratória, falência renal aguda;
· Sepse e meningoencefalite (inflamação do cérebro e membranas nervosas);
· Falência múltipla de órgãos.
Segundo o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, essa variação nos sintomas está ligada à lenta introdução do vírus na espécie humana. Ele destaca que já houve casos humanos que apresentaram apenas conjuntivite, enquanto outros evoluíram rapidamente para quadros respiratórios severos.
Como a doença evolui?
O período de incubação da gripe aviária em humanos costuma ser de 2 a 7 dias, sendo a média de três. Os sintomas oculares, como a vermelhidão nos olhos, podem surgir em apenas um ou dois dias após o contato com o vírus. A duração dos sintomas leves varia entre poucos dias a duas semanas. Já as manifestações graves podem durar várias semanas e deixar sequelas permanentes.
Embora não tenha sido confirmada a transmissão entre pessoas, o CDC aponta que os indivíduos infectados, especialmente os hospitalizados, podem apresentar uma alta carga viral e, em tese, seriam capazes de transmitir o vírus por algumas semanas.
Como ocorre a transmissão?
A principal via de transmissão entre aves é o contato direto com fezes, secreções e superfícies contaminadas, incluindo água. Mamíferos podem se infectar ao ingerir aves doentes ou por contato com excreções. Para os humanos, os principais riscos envolvem:
· Inalação de partículas durante a manipulação de animais contaminados;
· Contato com superfícies infectadas;
· Consumo de aves, ovos ou leite não pasteurizados provenientes de animais doentes.
Cozinhar bem alimentos de origem animal (principalmente carne de aves e ovos) ou consumir leite pasteurizado elimina o risco de infecção.
Existe tratamento?
Sim. O tratamento envolve principalmente antivirais como oseltamivir e zanamivir, que reduzem a gravidade dos sintomas e previnem complicações, segundo o NHS britânico. Além disso, o manejo clínico pode incluir:
· Repouso;
· Isolamento hospitalar ou domiciliar;
· Hidratação adequada;
· Medicação para alívio sintomático (como antitérmicos e analgésicos).
O sucesso do tratamento depende do diagnóstico precoce e do início imediato da medicação.
Qual é o risco de morte?
É elevado. Desde 2003, a OMS registrou 973 casos confirmados em humanos, com 470 mortes — o que representa uma taxa de mortalidade de 48,3%. Para comparação, a taxa de mortalidade da covid-19 gira em torno de 1%.
De acordo com o virologista Edison Luiz Durigon, da USP, o H5N1 atinge órgãos vitais além dos pulmões — como cérebro, fígado, rins e coração —, o que explica a gravidade dos quadros e a descrição frequente de “falência múltipla de órgãos” nos atestados de óbito.
Felizmente, até o momento, todos os casos humanos estão ligados ao contato com animais infectados. Não há, até agora, transmissão sustentada de pessoa para pessoa.
O Brasil e o risco pandêmico
Em maio de 2025, o Ministério da Agricultura e Pecuária confirmou o primeiro caso de gripe aviária em uma granja comercial no Brasil, no Rio Grande do Sul. O surto envolveu uma unidade de produção de ovos férteis. Antes disso, o vírus havia sido detectado apenas em aves silvestres.
A descoberta resultou em impactos econômicos imediatos. Países como China, União Europeia e Argentina suspenderam temporariamente as importações de carne de frango brasileira.
A chegada do vírus à cadeia produtiva comercial no Brasil exige vigilância sanitária rigorosa. Ainda mais porque a gripe aviária já atingiu todos os continentes, exceto a Oceania, e foi registrada até em espécies como pinguins na Antártida e camelos no Oriente Médio.
A gripe aviária será a próxima pandemia?
A possibilidade existe — e preocupa cientistas. Segundo a epidemiologista Caitlin Rivers, da Universidade Johns Hopkins, os EUA podem já ter ultrapassado o “ponto de virada” silencioso, devido à vigilância falha e à falta de uma resposta coordenada entre os estados.
O que mais preocupa os especialistas são três fatores:
1. A rápida adaptação do vírus a novas espécies, incluindo mamíferos como raposas, gatos domésticos, ursos e gado leiteiro.
2. A explosão de casos em rebanhos bovinos — que têm contato direto e constante com humanos.
3. A instabilidade em políticas de saúde pública, como ocorreu com o desmonte de programas de vigilância em agências americanas.
A infectologista alerta que “quanto mais o vírus circular, mais oportunidades terá de sofrer mutações ou recombinar-se com outros tipos de influenza”, aumentando as chances de transmissão entre humanos.
Existe vacina contra a gripe aviária?
Sim, mas com limitações. Diversos países vêm desenvolvendo ou estocando vacinas específicas para o H5N1, destinadas especialmente a trabalhadores de risco. O Brasil, por meio do Instituto Butantan, aguarda autorização da Anvisa para iniciar testes clínicos com 700 voluntários de uma vacina voltada especificamente contra essa cepa.
Nos EUA, o Departamento de Agricultura (USDA) aprovou recentemente, de forma condicional, uma nova vacina para aves. Já a União Europeia estuda diretrizes para permitir a vacinação em massa. A França, por exemplo, vacinou patos e viu queda acentuada na circulação viral.
Para humanos, existem vacinas armazenadas, mas o uso em larga escala dependeria da emergência de uma pandemia.
A gripe aviária deixou de ser apenas um problema das aves. Com o avanço do H5N1 sobre novas espécies e sua presença crescente em ambientes produtivos, os riscos de uma adaptação viral que permita a transmissão entre humanos são reais.
Embora ainda não estejamos diante de uma pandemia, a ciência e os sistemas de saúde estão em estado de alerta. O Brasil, assim como o resto do mundo, precisa redobrar a vigilância sanitária, reforçar os protocolos de segurança nas granjas e preparar-se para um eventual cenário pandêmico.
A história recente da covid-19 mostrou o quanto a preparação pode salvar vidas. Com a gripe aviária, talvez tenhamos a chance de estar um passo à frente.