“Só é bom mesmo quando for bom para todo mundo”
Por Doris Pinheiro
O acrônimo ESG, do inglês, Environmental, Social and Governance se refere a uma tendência mundial e a uma necessária resposta das empresas frente aos desafios da sociedade contemporânea. É uma sigla que diz respeito à integração da geração de valor econômico aliado à preocupação com as questões ambientais, sociais e de governança corporativa, por parte das empresas. Na prática, é uma forma de mostrar responsabilidade e comprometimento com o mercado onde estas empresas atuam, com seus consumidores, fornecedores, colaboradores e seus investidores.
Leana Mattei é palestrante, TedX Speaker, comunicadora e escritora do livro “A estrada vai além do que se vê”, sobre o impacto social em obras de infraestrutura. Ela trabalha com temas relacionados à responsabilidade social e à sustentabilidade há mais de 23 anos, com experiências nacionais e internacionais. Atualmente, é diretora da AGANJU, uma consultoria especializada em ESG e Impacto Social. Chamamos ela para falar sobre ESG, termo que esperamos, ganhe cada dia mais significado num mundo onde uma sombra cada dia maior paira sobre o nosso futuro, quando se fala de meio ambiente e de qualidade de vida para todos no planeta.
Doris Pinheiro – Quais têm sido os impactos reais desta nova “mentalidade” ESG, da qual se tem ouvido falar tanto?
Leana Mattei – A gente em junho comemora, se é que tem alguma coisa para se comemorar, o mês do Meio Ambiente, então todos os veículos de comunicação, instituições, empresas, têm se voltado para essa temática, trazendo uma discussão muito importante, que é claro que não deve se encerrar no Dia do Meio Ambiente, porque a gente vivencia esse meio ambiente durante todos os dias do ano, durante toda a existência do homem no planeta. Obviamente, algumas dessas conversas, elas são muito desconfortáveis, mas precisam acontecer porque elas são urgentes, como a pauta da Mudança Climática.
No que se refere às Agendas ESG, ele é um termo que surgiu de um relatório muito grande, num evento do Pacto Global – esse documento se chamava Cares Wins, que é “ganha quem se importa”. Esse termo inicialmente foi utilizado pelo mercado financeiro justamente para tentar valorar as empresas não somente a partir do seu desempenho econômico, financeiro econômico, mas também trazendo variáveis sociais ambientais para esse desempenho. Ou seja, o Meio Ambiente e pessoas passam a fazer parte do que a gente entende como um lucro, do que a gente entende como uma empresa que vale o investimento. Nada mais natural, porque nenhuma empresa com passivo social grande, passivo ambiental grande, deve atrair ou deveria atrair investidores, não é mesmo?
Essa sigla ESG, ela ganhou notoriedade nos últimos anos sobretudo durante a pandemia, em que o mundo percebeu que os nossos sistemas socioeconômicos, eles eram para além das fronteiras. Então a gente foi impactado por diversas consequências de uma pandemia, e é claro que isso faz com que nós aprendamos alguma coisa.
A gente está mudando sim a nossa forma de fazer negócio, e eu particularmente não acredito que isso nasça de uma mudança filosófica humanista. Nasce de uma necessidade de mercado, nasce de uma urgência ambiental, nasce de uma maior consciência das pessoas em relação a uma importância que estas mesmas pessoas têm para a lucratividade da empresa. Então, é uma necessidade do mercado se adaptar.
Essa nova mentalidade é na verdade uma convocação. Não acredito que seja uma tendência. É uma convocação para que as empresas assumam a sua responsabilidade, a sua função social-ambiental e, obviamente, que tenham compromissos éticos, compromissos de governança, compromissos ambientais e sociais, para além do discurso. E não é que a gente vá deixar de viver no sistema capitalista, mas nesse sistema capitalista precisa nascer uma consciência de que o setor privado, e outras organizações, precisam gerar benefícios. Vão continuar gerando lucro, mas não vão gerar lucro a qualquer custo.
DP – Como é o seu trabalho?
Eu trabalho na área de sustentabilidade, Meio Ambiente há 25 anos, comecei nos movimentos socio-ambientais, tem muita história pra contar. Tenho 42 anos, comecei quando eu tinha 17, antes de entrar na faculdade. De lá pra cá, eu já trabalhei em diversas organizações sociais, ambientais, de comunicação, dentro e dentro do Brasil, organizações internacionais. Hoje eu estou à frente de uma consultoria em ESG Impacto Social, que tem sede na Bahia, mas tem atuação no Brasil, e a gente tem aí algumas linhas de trabalho, e uma delas é promover conteúdo de comunicação, palestras, treinamentos, experiências, e também, óbvio, contribuir para que as empresas definam suas estratégias de geração de impacto positivo.
Isso inclui estudos, avaliações de impacto, análise de risco, diálogos de partes interessadas, definição de estratégia de comunicação, diagnóstico social… Então todos esses trabalhos são orientados para o princípio, sobretudo o princípio ético, o princípio do respeito, o princípio de que a gente precisa escutar as pessoas. Ao longo da minha trajetória profissional, graças a Deus, eu consegui me manter fiel a eles. Obviamente isso tem um custo, o custo de ser quem a gente é, o custo de ser de verdade, custo de dizer não a propostas eventualmente indecorosas, que surgiram para mim. Mas hoje a gente tem aí, a trancos e barrancos, se mantido com a cabeça erguida e com o coração cheio de esperança para ver realmente esse mundo se transformar.
DP – Num mundo de capitalismo selvagem, absurdamente selvagem, ESG é uma realidade possível em grande escala? Ou teremos de chegar ao limite, na beira do abismo ambiental, por exemplo, para que os princípios propostos podem ser de fato postos em prática?
LM – Eu acredito particularmente que infelizmente o mundo não aprendeu pelo amor – de acordo com a psicologia cognitiva-comportamental a gente aprende, a gente transforma o comportamento ou a partir de reforços positivos ou reforços negativos – o mundo não aprendeu no amor. Algumas pessoas sim, mas a humanidade, o sistema produtivo, não. Então essa mudança de mentalidade, essa tentativa de mudar o paradigma do desenvolvimento, ela é decorrente da exaustão ambiental e obviamente também das inúmeras denúncias e tomadas de consciência da população.
E é claro que também precisa ver o tipo de vantagem que essas empresas têm. Além delas se tornarem mais rentáveis do ponto de vista de longevidade, porque ninguém abre uma empresa para fechar, elas se tornam mais bem percebidas pelo público, elas têm aí sua reputação aumentada, sua imagem mais positiva, elas conseguem, obviamente, serem mais simpáticas aos olhos das pessoas e transformar tudo isso também aí, em desempenho socioeconômico e financeiro. Então a Agenda ESG é uma agenda que veio para ficar, uma agenda que traz, inclusive, benefícios na cultura organizacional, como redução de turnover (índice de rotatividade dos funcionários de uma empresa). As empresas hoje que têm boas práticas sustentáveis, são desejadas como locais de trabalho para a maioria das pessoas.
DP – A ideia é mudar o mundo para melhor?
LM – A gente nesse momento precisa fazer o que precisa ser feito e garantir as condições melhores de vida para as pessoas que estão aqui, sem perder de vista, para a gente não ser tão egoísta, de que após a nossa existência, outras existências também têm o direito de acontecer. Então, eu sou uma entusiasta, dias mais, outros menos, mas permaneço sendo, e só essa busca, só esse caminho, já é suficiente ou tem sido para mim.

Mais sobre Leana Mattei – Mestra em Desenvolvimento e Gestão Social pela UFBA, tem MBA em Sustentabilidade e Responsabilidade Social pela UNIFACS, formação em Mensuração de Impacto Social pelo Insper e Mediação de Conflitos e Metodologia do Ensino Superior pela UFBA, e graduação em Comunicação e Relações Públicas pela UNEB.
Com certificação internacional em GRI e PMD PRO, Leana trabalha com temas relacionados à responsabilidade social e à sustentabilidade há mais de 23 anos, com experiências nacionais e internacionais.
Atualmente, é diretora da AGANJU, uma consultoria especializada em ESG e Impacto Social. Também é cofundadora do Best2All, um aplicativo de consumo consciente, e sócia-investidora da Incentiv, uma startup que transforma impostos em impactos sociais positivos.
É conselheira consultiva da Rede Inpacto de Combate ao Trabalho Escravo e Infantil, membro da Rede Brasfi de Finanças Sustentáveis, embaixadora do Instituto de Capitalismo Consciente e multiplicadora do Sistema B. Seu lema é “só é bom mesmo quando for bom para todo mundo”