Parte 2 – Arquitetura e Fortificação Militar
Na segunda metade do século XVI, por força das grandes navegações e pela necessidade de formar um corpo de profissionais capacitados para a construção de obras civis e militares, cartas de navegação e mapas, foi criada em Lisboa a Escola Particular de Moços Fidalgos do Paço da Ribeira, instituição pioneira na Península Ibérica. Com a morte de D. Sebastião (1554-1578) instalou-se uma crise de sucessão da coroa portuguesa, que levou a ascender ao trono D. Filipe II da Espanha, dando início ao período de unificação das coroas portuguesa e espanhola, a chamada Dinastia Filipina (1580-1640). Filipe II (Filipe I de Portugal) fechou a Escola do Paço da Ribeira e criou a Academia de Matemáticas y Arquitectura Civil y Militar de Madrid (1582) para a formação de matemáticos, arquitetos, engenheiros, artilheiros e cartógrafos (VALLEJO, 2013). Além disso, aumentou-se o número de profissionais estrangeiros contratados para lecionar e para atuar nas terras conquistadas. Filipe Terzi, engenheiro militar italiano contratado ainda no reinado de D. Sebastião, se tornou Mestre das Obras do Rei, substituindo o português António Rodrigues, e foi mantido como professor da Academia ao lado de Juan de Herrera e João Baptista Lavanha. É importante observar que a partir da experiência da Escola do Paço da Ribeira e, posteriormente, com a Academia de Madri, vai-se acentuando a distinção entre o arquiteto, empreiteiro de obras, voltado ao projeto e à execução de edificações, e o engenheiro militar, técnico especializado na construção de pontes, estradas e fortificações.
Filipe Terzi, atuou em Portugal e foi encarregado de formar 3 partidistas (estudantes), para prestar serviços no Gabinete das Obras d’el Rei (BUENO, 2003). Ele elaborou um pequeno manual com 15 folhas sobre geometria e sobre as ordens arquitetônicas que, provavelmente, serviu de apostila para os partidistas. Nele estão cuidadosamente desenhadas e explicadas, em italiano, todas as partes que compreendem as ordens toscana, dórica, jônica, coríntia e compósita, com a modulação segundo preceitos de renomados tratadistas italianos como Serlio e Vignola.

O período da Dinastia Filipina foi conturbado tanto para Portugal quanto para o Brasil, que sofreu invasões e a ocupação dos holandeses em Salvador e em Recife, onde permaneceram por cerca de 40 anos. Em Portugal, as lutas pela restauração da independência se estenderam por 28 anos (1640 a 1668), capitaneadas por D. João, o Duque de Bragança, membros da nobreza, do clero e militares. Em 1de dezembro de 1640, D. João IV (1604-1656) foi proclamado rei de Portugal e Algarves. Por conta dos embates com a Espanha, o monarca empenhou-se em criar uma nova academia de ensino de arquitetura e engenharia militar, que foi fundada em 1647 em Lisboa, no Paço da Ribeira. Criaram-se, então, as Aulas Militares, que tiveram um papel fundamental para a difusão dos conhecimentos de arquitetura, engenharia civil e militar em todo o império colonial português (MAROCCI, 2011).
Os profissionais deveriam ter uma formação preferencialmente militar, voltada para as obras de defesa, mas deveriam estar aptos a realizar obras de construção civil como pontes, chafarizes, igrejas, edifícios públicos e particulares, abertura de estradas, fiscalização urbana, cartografia e lecionar. Esta formação teve como base os tratados de arquitetura e engenharia militar escritos, desde o século XVI, na Espanha, na Itália, na França e em Portugal. O Príncipe D. Teodósio, filho de D. João IV, fomentou o processo de formação de engenheiros nacionais apoiando as ideias do Cosmógrafo-Mor do Reino e mestre de Matemática do Paço da Ribeira, Luís Serrão Pimentel para a criação das aulas. Serrão Pimentel nasceu em Lisboa em 1613, estudou no colégio jesuíta de Santo Antão e ingressou na vida militar em 1631, indo com o seu tio, Fernão Serrão, para o Brasil, precisamente para Pernambuco, onde decidiu servir em terra e não no mar (CARVALHO, 2000).
A formação recebida por Serrão Pimentel, no Colégio de Santo Antão, compreendeu um conjunto de conhecimentos vastos sobre a Astronomia, a Matemática, a Geometria, a Arte de Fortificação e a Artilharia, onde se estabelecia o vínculo com os estudos dos engenheiros militares e cosmógrafos (BUENO, 2003). Começou a estagiar como cosmógrafo no Brasil, em 1641. Regressou a Portugal, ainda no reinado de D. João IV, e conseguiu que fosse instituída a Aula de Fortificação e Arquitectura Militar na Ribeira das Naus em 1647 (onde funcionava a Aula de Náutica). Mais tarde, as aulas que formavam os engenheiros foram transferidas para o Terreiro do Paço, onde passaram a ter o nome de Academia Militar (CARVALHO, 2000). Ele
foi o primeiro professor da Aula de Fortificação e Arquitetura Militar na Ribeira das Naus. Foi nomeado Engenheiro-Mor do Reino em 1663, assumindo, também, o cargo de Cosmógrafo-Mor do Reino em 1671. Em geral, os Cosmógrafos-Mores eram nomeados, também, professores de Matemática, o que incluía o ensino da Cosmografia, da Geografia e da Topografia, principalmente para os pilotos e mestres de embarcações. Suas publicações conhecidas são: O Roteiro do Mar Mediterrâneo, A Arte Prática de Navegar e o Método Lusitânico de Desenhar Fortificações das Praças Regulares e Irregulares, Fortes de Campanha e Outras Obras Pertencentes à Arquitectura Militar, este último considerado um dos tratados mais importantes do período.
Com a morte de D. João IV, assumiu o trono D. Afonso VI (1656-1683), cujo reinado foi marcado pela perda de colônias para a Inglaterra e a Holanda. D. Pedro II (1683-1706), o último dos sete filhos de D. João IV, herdou os problemas políticos e econômicos do reinado do seu irmão, e se lançou ao Brasil e às colônias da África, buscando minimizar as perdas. Em seu reinado foram instituídas aulas similares àquelas oferecidas na Ribeira das Naus, na Bahia (1696), no Rio de Janeiro (1698), no Maranhão (1699), no Minho e no Recife (1701). Seu filho, D. João V, criou as Aulas de Fortificação em Peniche (1719), em Almeida e Elvas (1732). No Pará, as aulas foram criadas em 1758, no reinado de D. José I, por Francisco Xavier de Mendonça Furtado. A formação de profissionais competentes na engenharia militar tornou-se de extrema importância ante a situação política europeia, momento de consolidação de monarquias absolutistas (MAROCCI, 2011). D. João V (1706-1750) colaborou para esta mudança ao apoiar a renovação cultural manifestada nos vários âmbitos artísticos e na filosofia. Em 1712 iniciaram-se as orientações para criação da Academia de Portugal em Roma, que começou a funcionar entre 1714 e 1720. Na engenharia militar se formaram, Manuel Pinto de Vilalobos e Manuel de Azevedo Fortes. Manuel de Azevedo Fortes (1660-1754) foi educado fora de Portugal. Estudou no Colégio Imperial de Madri e formou-se em Filosofia na Universidade de Alcalá em Madri, ensinou durante três anos Filosofia na Universidade de Siena, na Itália. Lecionou Matemática de 1686 a 1701 na Aula de Fortificação e Arquitetura Militar de Lisboa (BUENO, 2003). Como oficial do exército, participou de operações militares e foi nomeado Engenheiro-Mor do Reino em 1719. Escreveu o Tratado do modo o mais fácil e o mais exacto de fazer as cartas geographicas, assim de terra como de mar, e tirar as plantas das praças (1722), O Engenheiro Portuguez (1728-1729), e o Tratado de Lógica Racional, Geometria e Analítica (1744). Projetou o forte de Macapá em 1740. Pertenceu à Academia dos Generosos e foi designado membro da Academia Real de História, com a responsabilidade sobre os assuntos geográficos das Províncias do Reino e Conquistas.
Fortes teve papel fundamental para a reestruturação do ensino nas Academias Militares. Ao apresentar ao rei D. João V um arrazoado, onde expunha as falhas na formação dos engenheiros militares portugueses, conseguiu reforçar a importância da expansão de academias em todo o Reino, bem como a modificação do ensino e dos critérios de acesso.
REFERÊNCIAS
VALLEJO, M. A. L. El léxico militar de la fortificación en el español de los siglos XVI y XVII. Granada: Editorial Universidad de Granada, 2013. Disponível em: https://editorial.ugr.es/media/ugr/files/sample-138192.pdf
BUENO, B. P. S. Desenho e Desígnio: o Brasil dos engenheiros militares (1500-1822). 2001. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2003.
CARVALHO, J. F. de. Luís Serrão Pimentel, o Método Lusitano e a Fortificação. Dissertação (Mestrado em Teoria da Arquitetura) – Universidade Lusíada, Lisboa, 2000.
MAROCCI, G. V. P. O Iluminismo e a urbanística portuguesa: as transformações em Lisboa, Porto e Salvador no século XVIII. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.