Por Gina Marocci
Faz algumas semanas que estamos conversando sobre cidades. Falamos sobre cidades mesopotâmicas, sobre Atenas e sobre Roma. Passamos rapidamente pelo Renascimento e a concepção de cidades ideais, os primeiros tratados de arquitetura e, enfim, aportamos em Portugal com seus próprios tratadistas e engenheiros militares. Mesmo que de forma brevíssima, traçamos as linhas gerais do pensamento urbanístico português: opção pela implantação de núcleos em lugares elevados, proximidade de mananciais de água e adaptação às características físicas do sítio. Ao acompanhar o pensamento dos tratadistas portugueses, até o século XVIII, nos detivemos na proposta dos profissionais da Casa do Risco para a reconstrução da Baixa Pombalina de Lisboa, após o terremoto de 1755. Vimos também como as determinações dos tratados influenciaram o desenho das vilas no Brasil setecentista.
Neste texto vamos conversar sobre os primeiros aglomerados urbanos erguidos pelos colonizadores no Brasil, que seriam os povoados e vilas sob a responsabilidade dos capitães donatários. Para relembrar, no século XVI, o Brasil foi dividido em 15 capitanias doadas a ricos donatários a partir de 1530. Eles recebiam o Foral, carta na qual estavam estabelecidas as funções dos capitães donatários: distribuir terras aos colonos (sesmarias); cobrar impostos para a Coroa; construir engenhos e portos; fundar povoados e cuidar da segurança dos colonos e da terra, além de explorar a mão de obra dos povos nativos. Em resumo, os donatários eram responsáveis pela construção e manutenção de toda a infraestrutura necessária à produção e escoamento dos produtos das lavouras e de tudo que pudesse ser exportado para a Europa.
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Ao longo do litoral brasileiro foram fundados povoados e vilas pelos colonos sob o comando dos donatários. Assim, ergueram-se as vilas de Santos e São Vicente, Espírito Santo, Porto Seguro, São Jorge dos Ilhéus, Olinda, para exemplificar com as mais conhecidas. As duas capitanias que prosperaram no século XVI foram a de São Vicente e a de Pernambuco. Por isso, destacamos as vilas que foram erguidas nelas. A capitania de São Vicente foi fundada por Martim Afonso de Sousa em 1532, mas o Foral assinado por D. João III é datado de 1534. O donatário tratou de erguer uma pequena povoação à beira-mar, a Vila de São Vicente, em um local ocupado por nativos que lhe resistiram. Assim como em vilas portuguesas, ergueu-se uma igreja, foram construídos estaleiros, casas para os colonos, a Casa do Conselho, a cadeia e o pelourinho. Por que foram priorizadas essas edificações? Em primeiro lugar precisamos entender que na época havia o Padroado que, resumidamente, era o acordo entre a Igreja Católica e a Coroa Portuguesa, que delegava poderes ao rei sobre os interesses da religião. Na prática isto significava que a Coroa Portuguesa seria responsável por enviar e sustentar missionários nas terras descobertas, construir igrejas e estruturas para que eles pudessem desempenhar as funções religiosas e zelar pelas leis da Igreja. Por outro lado, o rei podia arrecadas dízimos e indicar candidatos aos altos postos eclesiásticos. Então, uma das primeiras edificações seria uma capela ou uma igreja, geralmente relacionada a uma devoção particular do donatário. Os estaleiros estavam relacionados aos cuidados com a manutenção da frota marítima indispensável ao escoamento da produção ou das especiarias do Brasil.
A Casa do Conselho, que geralmente abrigava a cadeia, era o local de reunião da vereança, estrutura de organização administrativa da vila. Essa característica, de ter um Conselho, era exclusiva das vilas, e os edis (vereadores) eram escolhidos entre os colonos mais ricos. O pelourinho era uma coluna de madeira ou de pedra, que ficava na praça da vila para castigar os criminosos (aqui no Brasil, os nativos e os escravos africanos sofreram castigos e açoites até a morte).
Não se sabe o número de colonos que vieram com Martim Afonso de Sousa, mas, em 1541, a Vila de São Vicente abrigava cerca de 150 pessoas. Neste ano aconteceu um desastre natural provocado por um maremoto que destruiu quase toda a vila, que foi reconstruída mais distante do mar. Na figura baixo vemos a Ilha de São Vicente onde foi fundada a Vila de mesmo nome.
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Tela que retrata a vila de São Vicente (Carlos Fabra).
Havia na Ilha de São Vicente o povoado de Santos, fundado pelo português Braz Cubas sobre o outeiro de Santa Catarina (onde foi construída uma pequena capela em devoção a esta santa), que se tornou a Vila do Porto de Santos em 1546. Nela foi instalada a Santa Casa de Misericórdia, estrutura de apoio aos necessitados, os famintos, enfermos os recém-nascidos abandonados.
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A vila cresceu no entorno do outeiro de Santa Catarina e, assim como em São Vicente, a economia local se desenvolveu pela instalação de engenhos de cana-de-açúcar, que produziam rapadura, aguardente e o açúcar para exportação. A ilha de São Vicente recebeu as primeiras cabeças de gado no Brasil. Assim como a Vila de São Vicente, a Vila de Santos tinha o porto como estrutura mais importante.
O litoral da capitania de São Vicente era terra dos povos do tronco linguístico Tupi, que foram empurrados para o interior, terras de outros povos nativos. Os nativos que eram capturados, ou obtidos com a troca de utensílios trazidos da Europa, serviram de mão de obra na lavoura e em vários serviços. Por volta de 1560 ocorreu um levante dos tamoios, que queimaram plantações, destruíram fazendas e atacaram as vilas de São Vicente e de Santos.