Por Isa Lopes, de Cascais, Portugal
Texto original, publicado na newsletter nº5 do Vintage Aeroclub – vintageaeroclube.pt
Isabel Manuela Teixeira Bandeira de Melo, conhecida como Isabel Rilvas, nasceu na década de 30 do século passado, num país conservador, como era Portugal à época.
Nas suas palavras, “´nasceu num meio bom”.
A avó paterna era francesa e a avó materna espanhola; o caldo cultural em que nasceu era imenso e ao longo da sua vida, viveu em enúmeros países, acompanhando o marido diplomata, facto que continuou a dar-lhe ainda mais mundo.
A mestra alemã, contratada para a educar, foi, recorda ao dia de hoje, determinante para a sua vida; hoje está-lhe profundamente agradecida. Eram 6 dias na semana, repletos de rigor, severidade, respeito e disciplina.
Aprendeu com a fraulein, que nada era impossível e hoje reconhece que esta máxima lhe deu muito jeito pela vida fora. Ouvia todos os dias que podemos fazer tudo e que nada é impossível!.
O dia melhor era o dia de folga da frualein. Ficava com outra empregada da casa, a Bernardina e nesse dia sabia o que era a liberdade. E refere com a força e firmeza que a caracterizam, que “não interessa nada na vida, se não tivermos liberdade, a liberdade condiciona-nos e dá-nos vida, diz”.
Católica fervorosa, conta que ainda hoje reza pela Bernardina, que era uma boa alma. A vontade de ajudar o outro, vinda de uma das avós que fundou várias obras de caridade, fê-la estar com gente muito diferente. Conheceu o melhor e o pior do mundo; a riqueza e a mais profunda pobreza.
Pilotando avião e saltando de paraquedas
Nas andanças da vida, cruzou-se com o Leonardo e “foi uma paixão de caixão à cova”. O amor, a ternura e a admiração estão lá a cada palavra, no recordar do homem da sua vida. Namoraram durante três meses, através de versos que trocaram e de leituras de romances.
Ao fim deste tempo Isabel, que pilotava um bimotor tiger, disse ao futuro marido, que “sempre havia de voar, que era a coisa que mais gostava de fazer, que era o seu desporto favorito e que ele tinha de aceitar” – e ele aceitou, diz, com um brilho no olhar!
Leonardo foi tirar o brevet de voo com motor, paixão que passou a ser partilhada, dentro dos angares da Granja do Marquês, no Aeroclube de Portugal.Isabel e Leonardo, chegaram a fazer uma volta aérea a Portugal, mas não acabaram a volta, porque no fim do segundo dia, ele estava estourado!
E continua a falar do seu amor, com o orgulho de quem teve um companheiro pleno, para a aventura do vôo; Leonardo também saltava para a acompanhar, não saltou muito, diz, mas tirou o brevet, para perceber melhor o que era estar casado com uma paraquedista.
Nas suas aventuras na Granja do Marquês, lembra os vôos no tiger, lembra ao mais ínfimo pormenor a instrução e o vôo acrobático nesta aeronave e diz : “era uma maravilha, habituei-me àquilo e não queria outra coisa. Era um biplano! O tiger, parecia que era fácil, mas tinha o seu motor, refere, e tinhamos-lhe muito respeito.”
E no Museu do Ar – em Alverca, ao lado de um dos tigers, a Isabel volta a ter 20 anos, e a recordar de forma brilhante como era voar e saltar de um tiger. Conta que um depósito chegava para ir da Granja ao Porto. Admira-se como conseguia pendurar-se com uma garrafa de 5 litros para encher o depósito de combustivel.
Conta-nos o medo que teve de passar o Marão e como as correntes a puxavam para baixo e sorri, com o prazer de, para quem “nada é impossível”, de se sentir importantíssima, quando conseguiu finalmente estar para lá do Marão!
Acrobacias no ar
Isabel tinha objetivos claros! Não era só aterrar, descolar e fazer uma volta à pista! A especialização na acrobacia era um objetivo! Conta-nos que não fazia acrobacia na Granja, que descobriu nos arredores uma linha de caminho de ferro, e que essa linha, lhe servia de guia para as figuras de acrobacia, para treino.
Quando o tiger onde voava tinha uma peça danificada, ía a Alverca, que tinha peças para compor as maleitas do seu avião – “davam peças às escondidas, era uma sorte, senão o aeroclube não conseguia vingar”.
Neste avião, ganhou o Festival Aéreo de Outono, com uma aterragem de precisão. Mas não se gaba das suas pericias! Atribui o feito ao ser pequena e franzina, com baixo peso. Mas com um sorriso rasgado, recorda que era a única mulher no meio de “uma data de homens”.
Conta ainda, que não chegava aos pedais, e que a sua mãe lhe fez uma almofada, com flores, para dar um toque feminino, a este gosto inexplicável que a filha tinha.
Sofreu para ter um par de calças. Teve de convencer os pais e a sua mãe achava um escândalo, Isabel voar de calças! E Isabel não percebia porquê!
Foi uma aventura diz – foram a uma loja chamada Picadilly, para covencer a modista. O pai e o dono da loja, ficaram de guarda, à porta, para ninguém entrar e a modista, depois de muita insistência, lá confeccionou a peça.
Mas as aventuras continuaram…Ao domingo ía à missa à Granja do Marquês e de seguida voava. Levava as calças vestidas, com dobras, presas por alfinetes e uma sumptuosa saia godê por cima. No angar, depois da missa, tirava a saia, desdobrava as calças, de forma discreta, a um cantinho, e lá ía!
Era tudo uma dificuldade! As pessoas não percebiam o meu gosto, mas o Leonardo sempre me apoiou.
E foi com o apoio incondicional de Leonardo e da família, que Isabel se tornou a primeiroa piloto acrobata da Peninsula Ibérica, bateu o recorde português de vôo sem motor estando no ar 11 horas e 15 minutos.
Foi para França e frequentou o curso de Instrutor Paraquedista no Solo no Centro de Paraquedismo de Biscarrosse onde é aluna da socorrista do ar Jacqueline Domerge.
Para poder manter as suas licenças de paraquedista, Isabel tinha de completar um número especifico de saltos, mas foi confrontada com a inexistência de locais onde fosse possível fazê-lo em Portugal. Pediu autorização à Força Aérea para saltar na Base Militar de Tancos, local de treino dos soldados paraquedistas e conseguiu, tornando-se a primeira pessoa civil a saltar a partir de uma base militar.
Em 1955, ao ir com o pai a um festival aéreo no aeroporto Le Bourget, entrou em contato com as Enfermeiras Paraquedistas Socorristas do Ar, da Cruz Vermelha francesa e teve a ideia de criar um grupo de enfermeiras semelhante em Portugal.
Só consegue fazê-lo em 1961, quando Kaúlza de Arriaga, perante o início da guerra colonial, apresenta a ideia a Salazar que autoriza a criação do grupo de enfermeiras.
Em junho desse ano é dada formação a 11 enfermeiras na Base Militar de Tancos, das quais apenas seis obtêm o brevet, ficando conhecidas como as Seis Marias.
Ao logo de toda a Guerra Colonial o corpo de enfermeiras paraquedistas fez evacuações de soldados e civis nas antigas colônias portuguesas; assistiram feridos em zonas de combate; trabalharam em vários hospitais, quer no continente quer nas colónias, nomeadamente em Luanda, Lourenço Marques, Nampula, Ilha Terceira e Lisboa.
Isabel, foi pioneira num País toldado pela ditadura; fez história, ajudou centenas de pessoas e continua a viver apaixonadamente.
Com 80 anos, e como presente de aniversário, Isabel Rilvas, foi convidada pela Força Aérea Portuguesa a realizar um vôo, num dos aviões de treino da Academia da Força Aérea. Fê-lo como se tivesse 18 anos e o sonho de voar rasgou os céus e os costumes que tolhiam as mulheres aventureiras da época do regime ditatorial.
Isabel, hoje com 88 anos, mantém a lucidez de uma menina, e recorda com paixão, as aventuras que viveu ao longo da sua longa vida.
Sobre Isa Lopes
Como portuguesa, o mundo é a sua Casa! Amante de cidades, de vivencias e tradições, o seu trabalho em Arquitetura e Design de interiores espelha as viagens que fez e faz e as pessoa que foi conhecendo nos vários cantos do mundo. Dona de uma mente inquieta, faz investigação em várias áreas, entre elas o Feng-Shui, pertencendo ao FSRC (Feng-Shui Research Center). Anda sempre com a cabeça nas nuvens e a pensar em pormenores, cores, formas. A historia da Aviação nacional e internacional, é outra área que explora, colaborando com o Museu do Ar e com o Vintage Aeroclub. Escreve para algumas publicações no Brasil, sobre Design de interiores e Feng-shui. Considera que pessoas felizes, dão menos trabalho e todos os dias tem como objetivo melhorar a vida dos seus clientes.