Por Ildo Simões
Quando o dia amanhece eu já estou acordado para verter água pela última vez de uma série de seis por noite. Contando o tempo que passo no banheiro, porque parece que a urina tá tão bem acomodada que não quer sair, sai aos pingos, depois fininho, lembrando uma torneirinha feita com macarrão dezoito, acho que demoro meia hora de cada vez. Devo ter dormido umas duas horas.
Com os cuidados pra não molhar o pijama, me arrastar de volta até a cama, gasto alguns bons minutos nesta tarefa, no que minhas horas de sono se encurtam ainda mais. Acordo, portanto, ainda com sono e no resto do dia dou umas boas cochiladas e antes de terminar o sonho que me envolve, naquele momento, minha primeira namorada, a noite do casamento… ouço o grito estridente do neto: – Vooooô, vai dormir na cama!
O sono foi-se pras cucuias e o sonho virou um pesadelo.
O próximo ritual é tomar o café com os catorze remédios que já estão me esperando na mesa: hipertensão, diabetes, astrose, anemia, gastrite, colesterol, labirintite, urina solta, prisão de ventre, só pra ficar nas mais comuns. Os comprimidos variam de um grão de arroz a um pequeno tijolo no que, quando termino de tomar já estou de estômago cheio, o café já esfriou e a empregada, do lado como uma estátua, dá sinais de impaciência pra tirar a mesa.
Dou uma volta no quarteirão e retorno uma hora depois com as juntas reclamando e a bexiga dando sinais de urgência. Os próximos minutos são no banheiro. Retorno à sala e encontro as obrigações do dia recomendadas pelo safardana do filho que há um ano procura emprego:
-Pai, hoje é dia de pagar prestação do cartão; aluguel; mercado; escola dos seus netos será que o senhor…
É isto mesmo que pensaram: pagar com o dinheiro de minha aposentadoria. Do emprego ele nem fala. Perco duas horas no banco, ouvindo impropérios de offices-boys que reclamam por ter passado à sua frente, tomo dois ônibus lotados de volta e chego depois do almoço. Encontro meu prato feito, frio e geralmente com coisas de que não gosto: folhas amargas, carne magra sem sal, legumes vermelhos que tem licopeno que são bom pra próstata, sobremesa laite (que tem gosto de cabo de guarda chuva) fechando com suco sem açúcar. Receita da vizinha que é ajudante de copa de um hospital da cidade. Ela copia as receitas sem se importar pra que doença é recomendada, passa às mãos de minha nora que programa o meu cardápio.
O resto da tarde é pra abrir porta pra neto chegando da escola; amigos dos netos, que já entram derrubando tudo, carteiro, que ultimamente só traz guia de cobrança.
A noite me espera a briga na mesa do filho com a nora: ele se queixando de que não arranjou emprego e ela que não aguenta mais de trabalhar pra sustentar a casa e os parentes dele. Parentes dele aqui se entendam EU que pago metade das contas que terminam por sair mais caras do que se morasse num hotel.
Fico pensando que se deus estivesse no meu lugar ele já teria mudado muita coisa. A velhice seria uma delas. A outra certamente seria a nora.