Por Gina Marocci
A mais antiga representação de Maria com o Menino Jesus é um afresco das catacumbas de Priscila (possivelmente do início do século III), em Roma, que tem outras representações de passagens bíblicas. Maria está vestida com uma túnica e tem a cabeça coberta por um véu curto e em seu colo está o menino nu. Um homem vestido de túnica, à esquerda de Maria, é um profeta, que aponta para uma estrela que brilha sobre a cabeça dela. O foco é a mãe com o menino, uma singela representação da natividade de Jesus, sem manjedoura, sem reis magos e pastores, bem diferente da cena que se perpetuou no imaginário popular e em obras de muitos artistas famosos e que comumente chamamos de presépio.
A palavra presépio vem do latim praesepium, que significa manjedoura, o prato, ou cocho, no qual os animais comem. Apenas na Idade Média é que surgem os primeiros presépios, inicialmente nos mosteiros e conventos, e encenações do nascimento de Jesus. A tradição cristã atribui a São Francisco de Assis a primeira encenação da natividade de Jesus em via pública, que aconteceu na cidade italiana de Greccio, em 1223. Francisco quis marcar o os festejos do nascimento de Jesus com uma montagem singela do cenário da manjedoura, com a presença dos pequeninos, os animais vivos: o burro e o boi. Não havia figurantes humanos, e a manjedoura estava vazia. Nesse cenário celebrou-se a missa e, de acordo com a tradição oral, o menino Jesus apareceu deitado na manjedoura. Foi a partir desse relato que o artista Giotto di Bondone (1267-1337) pintou o afresco Presepe di Greccio. Giotto também interpretou a seu modo a visita dos reis magos e a dramática fuga para o Egito, momentos que marcam os primeiros anos de vida do Menino e dos seus pais.
Ainda no século XIII, artífices começaram a criar presépios permanentes, com figuras em tamanho real, esculpidas em pedra, terracota ou madeira. Esses presépios eram armados nas igrejas para estimular a piedade dos fiéis. A mais antiga dessas obras é a do arquiteto e escultor Arnolfo di Cambio, que em 1291 esculpiu em mármore, e em tamanho natural, José, Maria com o Menino, os reis magos e as cabeças do boi e do burro para a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Assim começou uma tradição italiana de esculpir presépios, cujos exemplares napolitanos do século XV tornaram-se motivo de admiração pelo refinamento, como o do artista Guido Mazzoni (1445-1518), com figuras de terracota pigmentada, feito para a catedral de Modena.
Os primeiros presépios móveis, com figuras articuladas surgiram na Alemanha, no século XVII, como instrumentos de evangelização dos Jesuítas. Com o tempo foram introduzidas inovações como cenas do cotidiano da vida do campo e da cidade, personagens folclóricos, e essa ambientação do conjunto foi uma inovação do presépio napolitano, com figuras articuladas de madeira vestidas com roupas de época. O tamanho das figuras também sofreu redução até cerca de 33 centímetros de altura, que se tornou medida padrão no século XVIII. Também neste mesmo século os presépios começaram a ser montados nos palácios e nas casas particulares dos mais abastados, tanto na Itália como em outros países de cultura católica. O cenário era geralmente montado em caixas de vidro, que ficavam expostas à devoção. Em Portugal, dois presépios criados pelo escultor Joaquim Machado de Castro (1731-1822) encantam pela ambientação e atmosfera barroca. Eles retratam a Lisboa do século XVIII sem deixar de intercalar cenas bíblicas. O Presépio da Estrela (Basílica do Sagrado Coração de Jesus da Estrela) foi encomendado pela rainha D. Maria I, e possui mais de 400 figuras em terracota protegidas por uma maquineta envidraçada, uma característica dos presépios setecentistas portugueses. Durante o período do Natal, as portas da maquineta eram abertas para que os devotos pudessem prestar ser louvor.
O Museu de Arte Sacra de São Paulo abriga um dos maiores presépios do mundo. Confeccionado em Nápoles, no século XVIII, ele foi adquirido por Francisco Matarazzo Sobrinho, em 1949. Ao todo são 1.600 peças elaboradas por artesãos anônimos e artistas renomados como Francesco Cappiello, Francesco Ingaldi, Giuseppe Gallo, Lorenzo Mosca, Matteo Bottigliero e Nicolla Somma. Em 1950 ele foi aberto à visitação pública na Galeria Prestes Maia; depois, entre 1956 e 1985, ficou abrigado no Pavilhão do Folclore do Parque do Ibirapuera. Por conta das condições ambientais e técnicas, ele foi definitivamente transferido em 1985 para o Museu de Arte Sacra, no Mosteiro da Luz. Na década de 1990 o Museu promoveu o resgate da cenografia com o trabalho desenvolvido pelo artista Sílvio Galvão, além da implementação das condições adequadas para a manutenção e a preservação do conjunto, que ocupa 110,00 m2 da residência reformada do capelão do Mosteiro da Luz.
Além da tradicional cena da natividade de Jesus, há os trabalhadores em sua labuta diária. São peças em terracota representando verdureiros, ferreiros, sapateiros, barbeiros e outros tantos, vestidos com trajes coloridos do século XVIII, com todos os utensílios de trabalho. Mulheres conversam, compram alimentos e sorriem. Pastores tangem seus rebanhos, saltimbancos alegram as crianças e o povo nas praças.
No mundo todo, cristãos de várias denominações armam presépios dos mais diversos tamanhos e estilos. Uma tradição que começou com os frades franciscanos, ultrapassou os muros dos conventos e igrejas, invadiu as casas e centros comerciais. Uma singela cena, cujo encantamento prolonga o brilho de uma noite muito especial.