Por Ildo Simões
-Mãieê? Hoje tem oculista!!
-Já tou saindo. Vou sozinha mesmo porque economizo uma passagem.
Chego à sala onde se acomodam cerca de cinquenta pessoas porque no andar atendem 10 especialistas e a chamada é feita por uma locutora, e claro, a voz sai muito fanhosa e a gente escuita mal.
Consultório de oculista é um pouco a ante câmera do terror. A cada quinze minutos uma atendente descarrega um esguicho de colírio no olho da gente, dizendo que não dói e, com vergonha, a gente não blasfema e manda ela enfiar o frasquinho no orifício terminal do aparelho digestivo .O colírio é um veneno que distorce as imagens de uma televisão que só projeta chuvisco e dá um soninho enganador. Ainda não entendi porque toda televisão de oculista só passa chuvisco e propaganda. Geralmente de mulher nua ou garotões sarados, o que dá no mesmo porque a gente enxerga tudo borrado. Até receita de bolo fica difícil passar ou receber porque na metade a gente ou a vizinha já tá dormindo. Nunca sabe se ela não quer conversa ou achou a receita ultrapassada. Uma mulher cochicha com o marido e olha pra gente o que dá vontade de mostrar a língua, uma avó tenta aconselhar o neto a tomar sopa de verdura que é bom pros neuvos, enquanto o garoto tilinta no celular e a conversa nem chega a entrar por um ouvido e sair pelo outro porque o pestinha está com fones de ouvidos. Mas ela insiste. No segundo cochilo sou acordada por uma chamada do núuumero seeeete. Númereeero seeete. Entro na sala e antes de me dar bom dia a atendente já grita:
– Bebeu água?
-Bebi minha filha.
-Tira a roupa e deita ali.
-Precisa tirar a roupa pra examinar o olho?
-Que olho minha senhora, aqui é sala de ultrassom. Deixa ver sua ficha. Bem vi; é número DEZESSETE.
Encontro a sala e o oculista neste intervalo já chamou três pacientes, no que preciso negociar com sua atendente pra ser a próxima.
-Entra, senta na cadeira e olhe aquele quadro. Vai trocar óculos né?
-É, doutor, mas eu tô sentindo…
-Calma, outro dia. Hoje é só troca de óculos. Olha pra este quadro e me diz: esta, ou esta, esta ou esta, esta ou esta…
-Pera Doutor que tou tonta.
-Mediu sua pressão? Melhor ir antes ao cardiologista. Sala 15.
Olhos vendo um elefante no direito e uma cascavel no esquerdo, abre-se uma porta e onde já se acomodavam pelo menos dez pessoas, eu entro.
-Pra onde minha senhora?
-Quinze minha filha.
A porta se abre no 15º andar e pelo festival de choros e algazarras, estou na Pediatria.
Guardando ainda na cabeça a frase nervosa do Doutor, esta ou esta, esta ou esta, esta ou esta, esta , minha tontura aumentando e sem enxergar mais nada, futuco a bolsa, pego o celular e peço a uma adolescente que ligue pra minha filha.
No taxi de volta pra casa, vou remoendo alguns impropérios:
– Ah, deus, você ainda há de ficar velho, míope, brochante, pelancudo, com incontinência urinária, artrose, hemorroidas, e..e..e. Esqueci.
– Melhor idade um cacete!