Por Ildo Simões
Entrado na casa dos enta há quarenta janeiros, ainda não cheguei à conclusão se envelhecer é bom ou ruim. Faz-me lembrar um peão da fazenda que sempre que contava uma novidade arrematava, quando se perguntava se a história era verdadeira:
– Quer dizer, é e não é e sendo.
Já acumulei tanto lixo na memória que daqui há alguns dias vou vender para os aterros sanitários só de lixos de memória. Fui alfabetizado em máquina de escrever, tirei diploma, escrevia com teclado coberto e aí veio a máquina semielétrica, elétrica, computador que ocupava uma sala e hoje, depois que apareceu o celular – IPOD, IPED, QRCODE – vou parar por aqui porque já nem sei o que acabaram de inventar.
Outro dia uma colega de trabalho leu uma crônica minha e veio me perguntar o que eram calçola e ceroulas. Vou folhando as páginas da memória e me lembrando que conheci calçolas, ceroulas daquelas de amarrar na perna; califon, espartilho, geladeira a gás, carro que só pegava no tranco, bailes em que se cantava músicas de carnavais antigos, abolerados para que os casais não se enroscassem, namoro com a tia no meio fazendo crochê e com uma tosse que não parava.
Como não havia divórcio antigamente a mulher desquitada não podia namorar, não frequentava bailes. Era condenada a um processo de recuperação da virgindade. Os homens se iniciavam na Zona e o troféu apresentado era uma venérea.
O telefone e a televisão deram um zoom tão veloz que parece, querem suplantar a velocidade da luz. Hoje a gente fala com japonês do outro lado de mundo, sem falar japonês, porque uma maquininha já vai traduzindo. Os carros andam sozinhos. Se começarem a fabricar gente no laboratório as nossas partes pudendas tendem a desaparecer, como estamos reduzindo nossos dentes, porque não precisa mais mastigar.
Imaginem agora a quantidade de lixos de todas espécies estou armazenando no meu bestunto.
Os nossos tetranetos, pelo andar da carruagem, vão casar e uma semana depois bate à sua porta um representante da fábrica de gente e aí vê escolhe a cor, a nacionalidade, o Q.I. e até, pasmem, a herança.
Acho que vou ligar pra Bandeira e pedir abrigo em Pasárgada, pelo menos lá vou ser amigo do Rei.