Parte 2
O reinado de D. José I (1750-1777) foi marcado pela forte presença do seu Secretário de Estado do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, figura imprescindível ao enfrentamento da situação em que ficou Lisboa após o terremoto de 1 de novembro de 1755. Este sismo ainda é considerado um dos piores ocorridos em regiões urbanas e, por isso, foi muito estudado e teve grande influência na criação da sismologia. Posteriormente, foi avaliado entre 8,5 e 9,0 na escala Richter.
O terremoto ocorreu pela manhã e sendo o dia da festa de Todos os Santos, as igrejas estavam cheias, com muitas velas acesas. Em apenas 7 minutos, mais da metade da cidade foi destruída, o que deixou milhares de feridos e cerca de 10 mil mortos. Ondas de 9 metros de altura, provocadas pelo terremoto, invadiram a parte baixa da cidade, enquanto que casas, igrejas e conventos ardiam em fogo num incêndio que durou 5 dias (FRANÇA, 1983).
Quase todas as igrejas haviam sofrido danos, ficando destruídas cerca de 30. Dos 65 conventos, só 11 ficaram habitáveis; de 7 recolhimentos apenas um podia ser utilizado; dos 6 hospitais, só restaram ruínas. Lisboa possuía cerca de 250 mil habitantes e 20 mil casas, das quais, somente 3 mil estavam habitáveis.
Antes do terremoto, Lisboa era um emaranhado de ruas estreitas e tortuosas, sujas e incômodas, com exceção do Bairro Alto, de traçado regular. A maior parte dessa Lisboa medieval desapareceu com o cataclismo de 1755. Como Secretário de Estado, o ambicioso Marquês de Pombal considerou ser a reconstrução da capital um momento importante para deixar sua marca na história e na política portuguesa. Então, Lisboa deveria se renovar e os espaços antes marcados, principalmente, pelas igrejas e conventos seriam marcados pela presença das instituições representativas do Estado, em edifícios colocados em locais estratégicos, de forma que ficasse claro que uma nova ordem estava sendo instalada (MAROCCI, 2011).
O Marquês de Pombal recrutou o experiente engenheiro militar Manuel da Maia, que atuava em Lisboa desde 1718, sob a orientação de Manuel de Azevedo Fortes, e ao longo do reinado de D. João V. Maia reuniu em sua equipe os maiores expoentes da engenharia militar e da arquitetura: Eugénio dos Santos e Carvalho, logo indicado para Arquiteto do Senado da Câmara de Lisboa; Carlos Mardel; Miguel Ângelo Blasco; José Monteiro de Carvalho; Reinaldo Manuel dos Santos e Manuel Caetano de Sousa.
Maia elaborou as Dissertações para a reconstrução da Baixa de Lisboa, que não são um tratado de arquitetura militar ou civil, mas representam as bases do pensamento urbanístico no período pombalino. Elas foram consultadas no livro de José-Augusto França, que consta das referências ao final deste texto.. As Dissertações se dividem em três partes. Na primeira parte Maia sugere cinco alternativas para a renovação da cidade. A primeira seria a reconstituição do seu antigo estado, respeitando-se as larguras das ruas, as dimensões antigas dos lotes e as alturas dos edifícios, contudo se perderia a oportunidade de promover melhoramentos na cidade.
A segunda teria como foco o alargamento das ruas, a fim de melhorar a circulação de mercadorias e o arejamento da cidade, mas com a manutenção do gabarito de altura, condição que Maia discordava por causa do risco de novos abalos e incêndios. A terceira alternativa era também focada no alargamento das ruas, mas com a redução dos gabaritos dos prédios para dois pavimentos acima do térreo. O que havia de contrário a esta proposta era a redução significativa da área construída dos imóveis, o que provocaria muita revolta entre os proprietários, principalmente aqueles que possuíam prédios de rendimento.
A quarta alternativa propunha a demolição do que havia restado em toda a cidade baixa e a sua reconstrução sobre os entulhos, suavizando, assim, o acesso às partes altas da cidade. Seriam projetadas ruas mais largas e prédios com altura menor que a largura da rua. Apesar de considerar a quarta hipótese um avanço sobre a primeira, Maia ressalta a preocupação com as dificuldades que poderiam advir da distribuição da parcela devida de terreno a cada proprietário.
Finalmente, a quinta alternativa, a mais radical de todas, propunha o abandono da cidade arruinada e a construção da nova cidade desde Alcântara até Pedrouços, área que abrange, hoje, Alcântara, Santo Amaro, Ajuda, Belém, Restelo e Pedrouços, um avanço para oeste tendo como início a nascente aglomeração gerada pela instalação do conjunto da Real Obra de Nossa Senhora das Necessidades. Essa alternativa liberava totalmente, na área da Lisboa arruinada, as construções sem restrições. Apesar de preferir a proposta de construir uma nova cidade na região de Belém (expansão ocidental da cidade), Maia aceitou a escolha da quarta opção, mesclada com a preferência do rei pela construção de um novo palácio fora da cidade baixa arruinada.
As Dissertações são um tratado de renovação e nelas estão definidos os princípios que norteiam a modernização da cidade: rigor no traçado de antigas ruas, abolição de becos, emprego da uniformidade nas fachadas respeitando-se, principalmente, simetria entre portas, janelas e alturas dos prédios, abertura de novas praças, melhoria na comunicação entre o Terreiro do Paço e as novas ruas, soluções para execução dos esgotos e coleta do lixo doméstico (MAROCCI, 2011). As determinações do projeto escolhido formaram o corpo do Plano de Reedificação da Cidade, publicado em 12 de junho de 1758. As orientações contidas no Plano influenciaram renovações urbanas no Porto, no Algarve, com a construção da Vila Real de Santo Antônio, no Brasil e na Índia (FRANÇA, 1983).
Após os estudos das três equipes organizadas por Maia, o projeto final para a Baixa foi elaborado por Eugénio dos Santos, que estendeu a intervenção da Baixa até o Bairro Alto. A inserção de quarteirões paralelos ao rio quebra a monotonia dos quarteirões em apenas uma direção (perpendicular ao rio). O Terreiro do Paço adquire uma forma definida, optando-se pelo quadrado, deixando-se um lado aberto ao rio, onde se construiria um cais de cantaria.
Em amarelo está representado tudo o que vai ser construído, e em vermelho o que existia e seria mantido. Alçados elaborados por Eugénio dos Santos, como proposta inicial para as fachadas dos novos prédios da Baixa, contêm as determinações de Manuel da Maia: dois pavimentos acima do térreo, simetria de portas e janelas. Dois modelos de fachadas se apresentam: uma mais simples, com o andar nobre sobre o térreo, marcado pelas janelas rasgadas; no outro modelo, os dois pavimentos acima do rés-do-chão apresentam janelas rasgadas.
No projeto de Eugénio dos Santos “a praça encarada como uma função urbana e social nova. E porque dela nasciam as novas ruas não podiam deixar de traduzir um nobre movimento geométrico, que era também ideológico.” (FRANÇA, 1983) A praça (Terreiro do Paço), então, submetida aos calendários régio e canônico, seria absorvida pelo movimento da bolsa dos comerciantes, das repartições públicas, conferindo a Lisboa um ritmo de vida moderno. Definiu-se, então, um perímetro de atuação envolvendo os seguintes bairros: Alfama, Limoeiro, Rua Nova e Remolares.
Projeto final da Baixa Pombalina e fachada típica para os edifícios.
Três novas ruas se tornaram os eixos principais: a Rua Nova, hoje, Rua do Comércio; e as duas que fazem a ligação entre o Terreiro do Paço e o Rossio, as Ruas do Ouro e a Rua Augusta. Estas representam os eixos principais e as ruas nobres da Baixa. Elas foram projetadas com a largura de 60 palmos (13,20 m), tendo 10 palmos (2,20 m) de cada lado destinados a passeios. As travessas, ruas secundárias, foram projetadas com a largura de 40 palmos (8,80 m) e 10 palmos de passeio de cada lado (SANTOS, 2000). A reconstrução iniciou-se um ano depois de aprovado o plano, ou seja, em 1759, e só foi concluído na primeira metade do século XIX. Para custeá-lo, as câmaras municipais das colônias portuguesas na África e no Brasil tiveram de contribuir.
REFERÊNCIAS
FRANÇA, J. A. Lisboa Pombalina e o Iluminismo. 3. ed. revista e ampliada, Lisboa: Bertrand, 1983.
MAROCCI, G. V. P. O Iluminismo e a urbanística portuguesa: as transformações em Lisboa, Porto e Salvador no século XVIII. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
SANTOS, Maria Helena Ribeiro dos. A Baixa Pombalina: passado e futuro. Lisboa: Livros Horizonte, 2000.