O poeta, jornalista e tradutor Mario Quintana nasceu em Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 30 de julho de 1906. Foi farmacêutico, mas logo, logo ganhou destaque om seus textos em jornais e revistas e passou a ser escritor publicado. Viveu parte da sua vida em Porto Alegre, de 1968 a 1980, no Hotel Majestic. Décadas depois, este hotel foi transformado na Casa de Cultura Mario Quintana, um local dedicado à arte, em homenagem ao poeta e a todos os grandes nomes da cultura do Estado do Rio Grande do Sul. Ele morreu no dia 5 de maio de 1994 aos 87 anos, mas está sempre presente, aqui e ali, com a gente.
Poeminha do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

Quem Sabe um Dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!
Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!
Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!
Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!
Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois.

Seiscentos e Sessenta e Seis (O Tempo)
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Canção do Dia de Sempre
Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…

Os Degraus
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…

Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis… ora!
não é motivo para não querê-las.
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

O Espelho
Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (…)
Parece meu velho pai – que já morreu! (…)
Nosso olhar duro interroga:
“O que fizeste de mim?” Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga… Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste…”

Relógio
O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.

Presença
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos…
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo…
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato…
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Deixa-me Seguir para o Mar
Tenta esquecer-me… Ser lembrado é como
evocar-se um fantasma… Deixa-me ser
o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo…
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar-se…
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir… é seguir para o Mar,
as imagens perdendo no caminho…
Deixa-me fluir, passar, cantar…
toda a tristeza dos rios
é não poderem parar!
