Por Ildo Simões
Éramos dezoito pessoas naquele quadrado, descendo do décimo oitavo andar e as coincidências paravam por aí. Eis senão quando um barulhinho de porta rangedeira chega aos ouvidos dos presentes, seguido de um odor de mandioca fermentada. Dado o alarme alguém começa a apertar o nariz e fazer gestos indecifráveis que apenas davam a entender que não estava gostando do perfume.
Como tenho cabelos brancos e uma calvície bem acentuada, do alto dos meus quarenta e sete anos recebi dois pares de olhares penetrantes, acusadores. Fiz cara de paisagem porque minha ficha no cartório estava limpa. Apertei também o nariz com certa indignação e devolvi um olhar também penetrante para os supostos acusadores. A geringonça parou no 17º. andar e entraram duas adolescentes que desenrolaram o cachecol cobriram a face e também apertaram o nariz entre risinhos.
Uma ainda comentou:
– Devia internar… e mais não disse.
A madame de cabelos visivelmente tingidos, bolsa numa das mãos e sacola na outra, tentou desesperadamente proteger o nariz , mas a bagagem que carregava o impedia.
– Se meu cachorrinho estivesse aqui iria ganhar uma acusação despropositada, comentou.
Um gaiato lá do fundo gritou alto e bom som: – Se tem algum político no ambiente cria uma Comissão Parlamentar de Inquérito, quem sabe, se não descobrir é o tempo que o elevador chega ao destino.
Os demais pobres viventes soltavam apenas repetidos sopros nasais, tentando espantar a inhaca.
O elevador parou no 15º. e entrou um motoboy com seu indefectível capacete e não conteve sua indignação gritando a plenos pulmões: – Parece que alguém foi no banheiro e não se limpou direito no que se ouviu uma risadaria tão forte que a máquina deu um tranco e parou.
O político tentou ensaiar um discurso, mas a plateia deu um ahhh tão forte que ele enfiou a língua no saco. Melhor dito na sacola para não haver segundas interpretações.
Uma senhora de meia idade ou de idade inteira pediu a palavra, concedida pela unanimidade dos passageiros, identificou-se como serva do Senhor e começou sua ladainha: – Pessoal, em nome de Jesus, se a gente tamo parado vamo pensar um pouquinho: – Eu vou contar até três e todo mundo suspira bem forte. Se cada um guardar um pouquinho do cheiro, a gente ficamo livre deste sufoco. Dito e feito, ungido e sacramentado.
Coincidentemente o elevador voltou a funcionar e chegou ao térreo cada um carregando sua dose do perfume de gardênia.