Festejado entre balões, bandeirolas, quadrilhas e muito milho cozido, São João é um dos santos mais populares do cristianismo — e uma das figuras centrais das festas juninas brasileiras. Mas por trás das celebrações animadas está a história de João Batista, o profeta que teria preparado o caminho para a vinda de Jesus.
Um nascimento celebrado e um legado milenar
João Batista é um caso raro entre os santos: é celebrado tanto por seu nascimento (em 24 de junho) quanto por seu martírio (em 29 de agosto). Segundo a tradição cristã, os santos costumam ser celebrados no dia de sua morte, considerado o momento de “nascimento para a vida eterna”. Com João, a natividade também ganhou destaque — possivelmente por sua importância singular na história da fé.

Filho de Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus, e do sacerdote Zacarias, João teria nascido de forma milagrosa. Isabel já era idosa e estéril, e por isso seu parto foi interpretado como uma intervenção divina. Reza a lenda que, ao entrar em trabalho de parto, ela mandou acender uma fogueira no alto de uma montanha para avisar a família. Essa tradição, segundo estudiosos, pode estar na origem simbólica das fogueiras que marcam as festas juninas.
João teria nascido cerca de seis meses antes de Jesus e vivido uma vida de ascetismo e pregação no deserto da Judeia. Sua missão: anunciar a chegada do Messias. Era conhecido por suas palavras firmes, que chamavam o povo ao arrependimento e à conversão. O batismo era seu principal ritual — realizado em rios e fontes, como forma de purificação da alma.
Embora o batismo já existisse como prática judaica, João inovou ao estendê-lo a todos, inclusive aos não-judeus. Essa atitude causou polêmica entre os religiosos da época e atraiu uma multidão de seguidores. Seu gesto mais famoso foi batizar o próprio Jesus no rio Jordão, marco simbólico que antecede a vida pública do nazareno.
Um profeta incômodo ao poder
João Batista não era apenas um pregador; era uma voz de denúncia. Suas palavras contundentes incomodaram as autoridades, sobretudo o governante Herodes Antipas. João condenava a relação de Herodes com Herodíades, esposa de seu irmão, o que levou à sua prisão e posterior execução.
Segundo o Evangelho de Marcos, a morte de João aconteceu por um capricho cruel. Durante uma festa, Salomé, filha de Herodíades, dançou para Herodes e, a pedido da mãe, exigiu como recompensa a cabeça do profeta. Herodes, embora relutante, atendeu.
João teria sido decapitado entre os anos 26 e 28 da era cristã, tornando-se mártir da fé. Sua cabeça, apresentada em uma bandeja, se tornaria uma das imagens mais fortes do martirológio cristão.

João Batista: santo, profeta e figura histórica
Embora sua figura esteja profundamente ligada à fé cristã, João Batista é também reconhecido por registros históricos extra-bíblicos. O mais famoso é o do historiador judeu-romano Flávio Josefo, que escreveu sobre João em sua obra Antiguidades Judaicas, no ano 94. Para estudiosos como Thiago Maerki, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esse testemunho é fundamental para confirmar a existência histórica do profeta.
“Josefo fala de João como alguém que reunia multidões para pregar, o que preocupava Herodes. Temia-se que ele pudesse iniciar uma rebelião”, explica o pesquisador. Isso reforça a ideia de que João, além de religioso, era uma liderança carismática com grande poder de mobilização.
A relação entre João e Jesus, no entanto, não foi isenta de tensão. Alguns evangelhos e textos apócrifos sugerem que havia certo ceticismo por parte de João sobre a messianidade de Jesus. Quando preso, ele teria enviado discípulos para perguntar se Jesus era realmente “aquele que havia de vir”. A dúvida de João sugere uma complexidade maior nas relações entre os dois líderes espirituais.
Após sua morte, João Batista continuou a inspirar seguidores. Alguns chegaram a considerá-lo o verdadeiro messias, e ele passou a ser visto, em certos círculos, como rival de Jesus — algo que não aparece nos evangelhos canônicos, mas é citado em escritos como o Evangelho de Tomé.

São João e as festas juninas
Apesar de toda essa densidade histórica e religiosa, São João também é símbolo de alegria, especialmente no Brasil. As festas juninas, trazidas pelos colonizadores portugueses, ganharam por aqui cores, ritmos e sabores próprios. No Nordeste, em especial, São João é celebrado com novenas, fogueiras, forró e comidas típicas à base de milho.
O hagiólogo José Luís Lira lembra que a Igreja celebra São João com missas e rituais religiosos, mas não se opõe às manifestações populares. “Nos locais onde João é padroeiro, há novenários, procissões e também a fogueira. O povo celebra à sua maneira — com dança, música, comidas. Isso fortalece os laços comunitários e a fé popular”, afirma.
O cardeal Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, reforça o valor cultural e espiritual dessas celebrações. “É tempo de confraternizar, celebrar a esperança e a confiança de dias melhores. O povo precisa desses momentos de alegria.”
João, o precursor
João Batista é, acima de tudo, o “precursor”. Aquele que veio antes, que anunciou, que preparou. Os evangelhos o descrevem como a “voz que clama no deserto”, uma metáfora poderosa para quem deu início à narrativa do cristianismo antes mesmo de Jesus começar a falar em público.
Ao lado de Santo Antônio e São Pedro, ele compõe a trindade junina. Mas entre eles, João tem lugar especial: por sua história, seu batismo e seu martírio — e também pela fogueira acesa que até hoje ilumina os corações e os arraiais do Brasil.