Comemorando 45 anos, show realizado no Sesc Consolação trouxe o clássico antes mesmo de este ser lançado
Dos porões da Vanguarda Paulistana, o Selo Sesc lança em abril o Relicário: Arrigo Barnabé & Banda Sabor de Veneno (ao vivo no Sesc 1980). Disponível nas principais plataformas de áudio, o álbum traz a gravação do show realizado em 29 de junho de 1980, o último de uma breve temporada do artista no Teatro Pixinguinha do Sesc Consolação. A gravação se configura como uma das apresentações que traziam ao público Clara Crocodilo antes de seu lançamento oficial. O vinil viria a ser lançado somente em novembro do mesmo ano.
O show, que comemora 45 anos, resgata sete das oito canções do álbum que hoje é considerado um clássico da música brasileira. Misturando música erudita, base do trabalho de Arrigo, com elementos da música popular, o disco, assim como o show, traz também elementos bastante urbanos e midiáticos, reunindo símbolos radiofônicos, jornalísticos e quadrinescos, o que confere contemporaneidade, dinamismo e dramaticidade à obra. Com uma atmosfera lúgubre, as peças criam uma narrativa imagética que acompanha o surgimento de Clara Crocodilo e suas atrocidades que têm a cidade como plano de fundo.
Além da faixa homônima à personagem, outras bastante representativas que constituem este relicário são Diversões Eletrônicas, Orgasmo Total e Sabor de Veneno. Lástima, que não compõe o álbum Clara Crocodilo, entra como extra, abrindo o show. A Banda Sabor de Veneno, que acompanha Arrigo no palco, é um coletivo que, à época, contava com nomes como o de Paulo Barnabé na bateria, Suzana Salles e Vânia Bastos nos vocais e Regina Porto no piano.
“O ponto de partida foi a fusão da música erudita do século XX (Bartok, Stravinsky e Schoenberg, principalmente) com a música popular como se fazia no Brasil na época, que incorporava influências estrangeiras como o rock e o jazz. E o teatro também, lembro de espetáculos do Zé Celso e do Balcão. Além disso, a cena da dança contemporânea e das performances”, conta Arrigo sobre algumas das influências para a composição.
Outras características da obra são a ironia e a comicidade que a permeiam. Os absurdos e vilanias da saga do monstro são enfatizados pela narração característica de Arrigo Barnabé, inspirada em figuras como Gil Gomes e José Gil Avilé (vulgo Beija-Flor), além de elementos operísticos, trazendo assim algo inédito à cena musical daquele momento. Junto a isso, a obra também inovou em termos musicais, trabalhando a música erudita de maneira arrojada. Segundo o músico, Clara Crocodilo apresenta “uma dissonância de maneira nunca antes usada”. De modo simplificado, a dissonância pode ser entendida como acordes que juntos geram tensão, contraste e instabilidade na música, transmitindo emoções e conferindo dramaticidade à obra.
Sendo uma obra nada convencional, o que poderia causar estranheza foi, de fato, muito bem aceito à época do lançamento. “A reação do público foi surpreendente. Parece que eles estavam esperando alguma coisa assim. De maneira geral também foi muito positiva, tanto de público como por parte da imprensa e dos críticos de revistas e jornais. Já com a mídia eletrônica (rádio, tv) era muito difícil, não havia espaço para nosso trabalho.”, comenta Arrigo.
Clara Crocodilo foi composta no período em que vigorava no Brasil a ditadura militar. A história se passa no futuro, em 1999, propondo o que seria um prenúncio da virada do século e do milênio. “É emocionante. Incrível perceber como continua atual”, completa Arrigo sobre a sensação de reouvir esse show tantos anos depois do que a própria narrativa vislumbrava.
Assista ao teaser do lançamento aqui
FAIXAS:
1. Lástima (Arrigo Barnabé)
2. Sabor de Veneno (Arrigo Barnabé)
3. Diversões Eletrônicas (Arrigo Barnabé/Regina Porto)
4. Infortúnio (Arrigo Barnabé)
5. Orgasmo Total (Arrigo Barnabé)
6. Instante (Arrigo Barnabé)
7. Office-boy (Arrigo Barnabé)
8. Clara Crocodilo (Arrigo Barnabé/Mário Lúcio Cortes)
FICHA TÉCNICA:::
Relicário: Arrigo Barnabé & Banda Sabor de Veneno (ao vivo no Sesc 1980)
Arrigo Barnabé – voz e piano acústico
Bozo Barretti – sintetizador e teclados
Chico Guedes – saxofone tenor
Felix Wagner – clarinete contralto
Gilson Gibson – guitarra
Mané Silveira – saxofone soprano
Paulo Barnabé – bateria
Regina Porto – piano fender
Rogério Benatti – percussão
Suzana Salles – voz
Tavinho Fialho – contrabaixo elétrico
Ubaldo Versolato – saxofone alto
Vânia Bastos – voz
Capa e projeto gráfico – Alexandre Calderero
Mixagem e masterização – Gustavo Lenza
Gravado no Teatro Pixinguinha do Sesc Consolação em 29 de junho de 1980.
SOBRE ARRIGO BARNABÉ
Um dos primeiros e mais talentosos proponentes do movimento Vanguarda Paulistana (músicos urbanos da cidade de São Paulo, com formação clássica, que adicionaram experimentações eruditas à música pop), Arrigo Barnabé é um compositor/arranjador internacionalmente premiado com uma expressiva contribuição para a música brasileira.
Estudou na Universidade de São Paulo, na Faculdade de Música da ECA, de 1974 a 1979. Ele escreveu a canção de grande sucesso “Clara Crocodilo” (com Mário Lúcio Cortes) e, em 1976, fundou a Banda Navalha. Em 1979, venceu o Festival de MPB da TV Cultura com “Diversões Eletrônicas”, uma música que trouxe a ideia da canção (melodia cantada acompanhada). No Festival de MPB da TV Tupi, ganhou o primeiro lugar e outros prêmios com “Sabor de Veneno”, que gerou considerável polêmica.
Barnabé lançou o LP “Clara Crocodilo” em 1980, seguido por uma turnê nacional. O álbum foi premiado no ano seguinte com o prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Em 1982, participou do Festival de Jazz de Berlim com o Projeto Arrigo Barnabé. Em 1984, ele também lançou seu segundo álbum (pela Barclay), “Tubarões Voadores”, que foi selecionado pela revista francesa Jazz Hot como um dos dois melhores álbuns de jazz do ano. Em 1987, ele lançou o álbum “Suspeito”. Em 1988, sua trilha sonora para o filme “Lua Cheia” foi premiada no Festival de Cinema de Curitiba. Em 1989, como assistente musical da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, criou a Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo e a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. Também escreveu e produziu uma ópera, “Gigante Negão” (1990), lançada em CD pelo selo Núcleo Contemporâneo em 1997. Em 1992, lançou o CD “Façanhas” e, no ano seguinte, se apresentou no Podenville (Berlim, Alemanha). Em 1994, Barnabé apresentou sua peça “Nunca Conheci quem Tivesse Levado Porrada” para a Orquestra Jazz Sinfônica, banda de rock e quarteto de cordas em São Paulo. Em 1995, tocou no Primeiro Festival de Jazz e Música Latino-Americana em Córdoba, Argentina. Em São Paulo, ele apresentou sua peça “Música para Dois Pianos, Percussão, Quarteto de Cordas e Banda de Rock”. Experimentando novas linguagens, fez várias apresentações públicas integrando um quinteto de percussão junto com um quarteto de cordas e a Patife Band, uma banda de rock de seu irmão. Com Paulo Braga, realizou um concerto para dois pianos no Teatro Rival Rio de Janeiro. Sua trilha sonora para o filme Ed Mort foi lançada em 1997 (Rob Digital).
SOBRE O SELO SESC
Desde 2004 o Selo Sesc traz a público obras que revelam a diversidade e a amplitude da produção artística brasileira, tanto em obras contemporâneas quanto naquelas que repercutem a memória cultural, estabelecendo diálogos entre a inovação e o histórico. Em catálogo, constam álbuns em formatos físico e digital que vão de registros folclóricos às realizações atuais da música de concerto, passando pelas vertentes da música popular e projetos especiais. Entre as obras audiovisuais em DVD, destacam-se a convergência de linguagens e a abordagem de diferentes aspectos da música, da literatura, da dança e das artes visuais. Os títulos estão disponíveis nas principais plataformas de áudio, Sesc Digital e Lojas Sesc. Saiba mais em: sescsp.org.br/selosesc