Artefato com mais de 350 anos foi devolvido ao Brasil pelo Museu Nacional da Dinamarca
Com o propósito de preservar e valorizar a cultura indígena, o governo brasileiro intensificou as ações para repatriação de artefatos indígenas. Um dos primeiros objetos a integrar a lista foi um manto Tupinambá com mais de 350 anos. Doado pelo Museu Nacional da Dinamarca, o item simboliza a importância cultural e histórica dos povos originários.
“A possibilidade do manto ser levado ao Museu surgiu em 2022, quando o embaixador do Brasil estava na Dinamarca e perguntou se teríamos interesse em receber o manto Tupinambá. A partir desse momento, começamos a trabalhar juntamente com a embaixada brasileira na Dinamarca para que pudéssemos chegar ao dia de hoje”, afirma Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, ao explicar o processo de repatriação da peça.
Para facilitar a chegada do artefato, foi criado o Grupo de Trabalho de acolhimento formado por estudiosos e pesquisadores. “O Manto estava sob condições ambientais muito diferentes das nossas. Então, essa foi a primeira solicitação, que ele viesse bem do ponto de vista técnico”, complementa o diretor.
Segundo Alexander, a doação foi comunicada, primeiramente, às lideranças indígenas do povo Tupinambá. Era fundamental, ele explica, que a chegada do item fosse celebrada de acordo com os desejos deles. “Recebemos, inclusive, uma mensagem muito carinhosa por parte de uma das pessoas do povo Tupinambá. O manto só vai chegar para valer depois que os indígenas puderem fazer os seus rituais”, conta.
O diretor destaca ainda que entre os cuidados do Museu Nacional estão a segurança do manto e o respeito às necessidades do povo Tupinambá. Por essas razões, a expectativa é que o item seja exibido ao público em 2026. “Até lá, ele ficará em proteção e só será aberto em momentos especiais do povo Tupinambá, respeitando a cultura e os rituais dos povos indígenas”, pontua.
A repatriação do Manto representa não apenas a recuperação de uma peça histórica, mas, também, o fortalecimento cultural e espiritual dos povos originários do Brasil.
“O manto, para o nosso povo e para a nação Tupi, representa um ancestral e uma linguagem de comunicação; por meio dele, recebemos prosperidade, paz e uma boa mensagem. Ele vem para dar forças e ressaltar a importância do território para o nosso povo, para manter nossa cultura e nossos rituais vivos”, destaca a liderança indígena, Glicéria Tupinambá, que participou desde o início do processo de repatriação.
Glicéria completa: “[O Manto] mostra também que é um lugar de resistência e de garantia dos direitos, na luta contra os desmanches dos nossos direitos e contra o Marco Temporal. A importância do manto é imensurável”.
Para a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do MinC, Márcia Rollemberg, é um um momento histórico para o Brasil.
“Sua devolução significa efetivar um direito cultural deste povo, o direito de preservar sua história, exercer sua cosmovisão, fortalecer sua identidade, de serem respeitados, e, principalmente, reconhecidos na contribuição vital à cultura nacional e a preservação de nossos biomas”, avalia.
Ela acrescenta que a repatriação do Manto Tupinambá reforça o compromisso na promoção das culturas indígenas, sendo um marco na valorização do patrimônio cultural brasileiro, ao reafirmar que os bens culturais não são meros objetos musealizados, mas elementos vivos da cultura.
“Ao recebermos o Manto de volta, celebramos a relevância das culturas indígenas, inspirando inclusive futuras ações de repatriação, que ao final nos devolve a dignidade de sermos e termos essa imensa riqueza, nossa diversidade cultural brasileira”, finaliza.
O manto
A vestimenta sagrada foi produzida com penas de ave guará e fibras vegetais. Mede cerca de 1,80 metros e, tradicionalmente, era empregada em cerimônias e rituais. De acordo com os historiadores, o exemplar doado ao Museu tenha sido confeccionado no século 16.
Outros artefatos
Após duas décadas no Museu de História Natural de Lille (MHN), na França, 585 artefatos indígenas estão de volta ao Brasil. O conjunto de objetos, que representa mais de 40 povos diferentes, é formado por itens etnográficos que demonstram a variedade de manifestações culturais dessas populações.
Entre eles, encontram-se diversos adornos Kayapó e Enawenê-Nawê, considerados raros ou inexistentes nas coleções brasileiras. Também há objetos Araweté, como chocalhos, arcos e raros brincos emplumados produzidos a partir das penas do anambé azul e da arara vermelha.
A ação foi resultado de uma complexa negociação entre o museu francês e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Ministério Público Federal (MPF).