Viviane Oliveira de Melo*
Recentemente, uma notícia chamativa tomou conta das redes com uma afirmação curiosa: “Ir a shows pode aumentar a expectativa de vida em até nove anos.” A frase vem de uma pesquisa promovida pela empresa britânica de telecomunicações e entretenimento O2. À primeira vista, a ideia soa promissora, afinal quem não gostaria de ganhar quase uma década de vida apenas curtindo música ao vivo? No entanto, ao olhar mais de perto, é possível perceber que essa afirmação se apoia mais em marketing do que em ciência rigorosa.
O estudo da O2, conduzido com apoio do especialista em comportamento Patrick Fagan, associou a ida a shows ao aumento de indicadores de bem-estar: melhora de até 21% no humor, 25% na autoestima e 75% na estimulação mental. Apesar dos resultados positivos, a pesquisa apresenta sérias limitações. Em primeiro lugar, não foi publicada em nenhum periódico científico com revisão por pares. Além disso, o tamanho da amostra e o método de controle de variáveis não foram divulgados, assim, concluir, a partir disso, que shows ao vivo aumentam a expectativa de vida em quase uma década é uma extrapolação sem base empírica sólida.
O que o estudo realmente aponta e que é, sim, apoiado por ampla literatura científica, é que experiências que envolvem interação social significativa, prazer e estímulo emocional promovem benefícios reais à saúde mental e física. Contudo, esses benefícios não são exclusivos da música ao vivo. Atividades como conversar com amigos, praticar exercícios físicos, meditar ou se engajar em projetos voluntários produzem efeitos semelhantes no cérebro e no corpo.
A neurociência já demonstrou que a interação social aumenta a liberação de oxitocina, o chamado “hormônio do amor”, associado à redução do estresse, fortalecimento do sistema imunológico e promoção do bem-estar. Um estudo publicado em 2018 na revista Elife, por exemplo, demonstrou que ratos criados em ambientes sociais apresentaram níveis mais altos de oxitocina e telômeros mais longos — estruturas celulares diretamente ligadas ao envelhecimento. Isso sugere que o convívio social contribui para um envelhecimento mais saudável e lento. Em humanos, pesquisas com idosos mostram que atividades sociais coordenadas não apenas aumentam a sensação de conexão, como também elevam os níveis de oxitocina e reduzem a solidão.
Em outras palavras, o que realmente contribui para uma vida mais longa e saudável não é simplesmente assistir a shows, mas sim a qualidade das conexões humanas, o engajamento em atividades que tragam propósito e o cuidado com a saúde mental. Assim, embora a afirmação de que shows aumentam a expectativa de vida seja, no mínimo, exagerada, ela aponta para uma verdade mais ampla: o ser humano é social por natureza, e sua saúde depende profundamente das relações que cultiva. A música pode ser um meio poderoso de conexão — mas está longe de ser o único.
A verdadeira receita para a longevidade envolve equilíbrio emocional, interação social regular, atividade física, alimentação saudável e, acima de tudo, o cultivo de experiências que façam sentido. Portanto, vá ao show, cante alto, dance com quem você ama — mas não se engane: o segredo para viver mais não está só no palco, mas na vida que você constrói ao redor dele.
*Viviane Melo é especialista em Neurociências e Comportamento, Psicomotricidade, Transtorno do Espectro Autista, Biotecnologia e tutora dos cursos de Pós-Graduação da Uninter na área de Neurociência.