Impacto das questões relacionadas a dinheiro e endividamento não podem ser ignorados e respostas comportamentais merecem atenção
Cuidar das finanças é também cuidar da saúde mental. Em um mundo onde a pressão pelo sucesso financeiro é crescente, o impacto psicológico que essas questões causam na vida da população não pode ser ignorado.
Em sua clínica diária, a psicóloga e psicanalista Ana Volpe, membro-filiada da Sociedade Brasileira de Psicanálise de SP, tem notado cada vez mais o impacto da insegurança financeira na saúde mental e o quanto esta relação tem aumentado relatos de transtornos psíquicos relacionados ao tema.
“Hoje, as questões financeiras estão entre os principais motivos que levam as pessoas a buscar apoio psicológico no Brasil. A pressão para manter um padrão de vida ou atender às expectativas sociais pode levar ao estresse financeiro, uma vez que as pessoas tentam viver além de sua capacidade financeira. Outro ponto relevante é o endividamento excessivo, que tem claramente aumentado as queixas de depressão e quadros de ansiedade. Seja por conta de empréstimos, cartões de crédito ou até mesmo apostas em jogos online, as obrigações e cobranças podem acumular e parecer esmagadoras para muitas pessoas”, diz a profissional.
A psicanalista elenca os principais sintomas do estresse financeiro: insônia, sentimentos de culpa, raiva, desânimo, angústia, isolamento social, queda na produtividade, distúrbios do sono, alterações de humor, mudança de apetite, ansiedade e depressão.
As consequências do estresse financeiro ficam claras na pesquisa Perfil e Comportamento do Endividamento Brasileiro, conduzida pela Serasa em parceria com a Opinion Box. O estudo avaliou o impacto das dívidas na vida emocional dos entrevistados. Os dados mostram que 83% afirmaram que o período de endividamento levou à insônia, 74% alegaram problemas de concentração para realizar as tarefas diárias, 62% sentiram impacto no relacionamento do casal, 61% apresentaram crises ou momentos de ansiedade, 53% sentiram muita tristeza e medo do futuro e 51% afirmam sentir vergonha por conta do endividamento. Pensamentos negativos por conta das complicações financeiras também foram citados e 78% dos participantes revelaram lidar com eles por conta de endividamento, perdas patrimoniais ou medo do nome sujo na praça.
“Insegurança financeira é uma forma de vulnerabilidade que pode corroer a autoconfiança e a sensação de estabilidade. A relação entre saúde mental e vida financeira é evidente e merece mais atenção na sociedade contemporânea. Cultivar o autocuidado financeiro é também cultivar a mente, e a construção de hábitos saudáveis em ambos os campos pode ser um dos maiores atos de cuidado consigo mesmo”, analisa Ana Volpe.
Finanças como motivo de estresse
Para Ana Volpe, quando as contas se acumulam e as dívidas crescem, sentimentos de desesperança e perda de controle podem surgir, criando um ciclo vicioso, levando a pessoa a um estresse crônico, que é considerado um fator determinante no desenvolvimento de transtornos como a ansiedade e depressão.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), na América Latina, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão, além de ser o segundo país com maior prevalência nas Américas. O órgão também alerta que a depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo e estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofram com esse transtorno.
“Estamos vendo um aumento significativo da relação entre saúde mental e vida financeira e isso precisa cada vez mais estar no radar da população e dos profissionais de saúde, para que todos possam reconhecer que o estresse financeiro está dificultando a qualidade de vida. É importante ressaltar que a gravidade, frequência e duração da depressão acontecem de acordo com cada pessoa e suas condições psíquicas e que fatores biológicos, psicológicos e sociais influenciam para que o indivíduo tenha um episódio depressivo”, afirma Ana Volpe.
Questões atuais, como o vício em apostas online, também tem gerado um impacto financeiro e mental nos indivíduos. Uma pesquisa recente realizada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo mostrou que 63% dos entrevistados afirmam ter tido parte de sua renda principal comprometida pelas apostas, sendo que 23% deixaram de comprar roupas, 19% de fazer compras em supermercados e 11% pararam de pagar contas.
O poder negativo do estresse financeiro também pode ser observado no Índice de Saúde Financeira do Brasileiro, elaborado pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) e com apoio técnico do Banco Central (BC). Dados coletados em 2022 evidenciaram que 56,1% dos respondentes percebem as finanças como motivo de estresse na família, além disso 71% relataram que convivem em meio ao estresse financeiro há mais de um ano.
“Investir em uma vida financeira mais consciente e buscar ajuda especializada caso a situação esteja trazendo consequências para a pessoa, sua família, negócios e convivência social é fundamental no momento atual. Encontrar soluções para os problemas financeiros não é apenas uma questão de sobrevivência, mas de bem-estar mental e emocional. Reduzir o estresse é urgente para que situação não piore ou ganhe contornos mais graves”, finaliza Ana.