Por Doris Pinheiro
Promover a disseminação de conhecimento técnico fundamentado na ciência, com o propósito de capacitar os profissionais de saúde no manejo de pacientes com dependência química, a fim de proporcionar o tratamento mais adequado. Esse é o principal objetivo do workshop “Desafios e Possibilidades do Tratamento dos Transtornos Adictivos”, que acontece neste sábado, 20 de janeiro, das 8h20 às 17h, no Auditório da Associação Bahiana de Medicina (ABM), em Salvador. O público-alvo são os profissionais da saúde e estudantes.
O evento faz parte das comemorações dos 15 anos da Clínica Vale Viver, especializada no tratamento de dependência de substâncias, localizada em Camaçari, na Região Metropolitana. “A Vale assume o compromisso de aplicar o conhecimento acumulado ao longo desses 15 anos para contribuir de maneira direta na recuperação de vidas. Compreendemos que isso se inicia primordialmente pela capacitação dos profissionais envolvidos no cuidado”, destaca a coordenadora do workshop, a psicóloga especialista em Transtornos Adictivos pela PUC-RIO, Aline Gonzaga, que concedeu entrevista ao site Doris Pinheiro.
Site Doris Pinheiro – Qual a importância do workshop “Desafios e possibilidades do tratamento dos Transtornos Adictivos” para os profissionais da área e para a sociedade?
Aline Gonzaga – Segundo o relatório sobre a “Carga Global das Doenças” (Global Burden of Disease GBD), da Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso abusivo de álcool e drogas está entre os maiores responsáveis pela morte prematura e pela perda de vida saudável e produtiva nas Américas, causando um grande impacto social, econômico e de saúde pública.
Este cenário implica diretamente na necessidade de capacitação dos profissionais para fornecer atendimento especializado. Quando uma pessoa com problemas com drogas recebe atendimento especializado, melhora o prognóstico e previne a instalação ou o agravamento de transtornos relacionados ao uso de substâncias, impactando diretamente no cenário de saúde pública.
DP – Por que a Vale Viver decidiu organizar o evento?
AG – Ao longo destes 15 anos a Vale acumulou experiência aliada ao conhecimento técnico e científico no tratamento da dependência química. O objetivo deste workshop é compartilhar com profissionais que desejam adquirir conhecimento para melhor atender pacientes. Percebemos que existe uma escassez de mão de obra especializada em Salvador para o tratamento da dependência química, além de parcos dispositivos de formação. Isto faz com que o profissional que recebe esta demanda em seu local de atendimento permaneça muito tempo na tentativa e erro, impactando diretamente na progressão da doença e no prognóstico deste paciente.
DP – De que forma a formação profissional de qualidade dos profissionais que tratam da dependência química, ou planejam trabalhar nessa área, pode contribuir com a redução dos casos de dependência química?
AG – Identificar precocemente o uso problemático de substâncias pode contribuir para que o profissional trabalhe com este paciente de forma preventiva. No geral, os profissionais de saúde, pela própria limitação da abordagem deste tema na formação, deixam passar da investigação clínica o uso de substâncias, e quando identificado, muitas vezes não consegue ter um direcionamento adequado. Treinar o olhar e o manejo dos profissionais para este cenário pode impactar positivamente nos números alarmantes que temos atualmente, além de claro, melhorar a oferta de tratamento especializado, fator que pode ser determinante para o prognóstico.
DP – O Relatório Mundial sobre Drogas 2023, lançado em junho, pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), aponta que a lacuna no tratamento para transtornos associados ao uso de drogas continua sendo grande. Em 2021, apenas uma em cada cinco pessoas recebeu tratamento por transtornos associados ao uso de drogas. Qual a situação do Brasil, nesse sentido? Tem dados sobre a dificuldade de acesso ao tratamento na Bahia?
AG – O II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (II LENAD) estimou que existe na população cerca de 5.7% de Brasileiros que são dependentes de álcool e/ou maconha e/ou cocaína, representando mais de 8 milhões de pessoas. Este levantamento também estimou que os domicílios no Brasil são compostos por uma média de quatro pessoas. estima-se que pelo menos 28 milhões de pessoas vivem hoje no Brasil com um dependente químico.
Quando olhamos para este número, podemos facilmente confirmar o que o este relatório aponta, infelizmente, as pessoas que conseguem ter acesso a tratamento especializado representam uma pequena parcela de um montante considerável que necessita de tratamento. No geral, estes relatórios levam em consideração a pessoa que desenvolveu a dependência e desconsidera as pessoas que convivem com o dependente, a família, que também padece de um sofrimento e até adoecimento em função dos altos níveis de estresse relacionado a convivência com a dependência do familiar. Um tratamento adequado precisa levar em consideração as duas partes. Por isto pensamos que capacitar os profissionais é o caminho mais adequado para lidar com esta situação.
DP – Na Bahia há déficit de profissionais para cuidar de pessoas com transtornos mentais associados às drogas? Por quê? Qual seria o caminho para a solução desse problema?
AG – No geral, os profissionais de saúde não são facilmente atraídos pelo tratamento da dependência química, por uma série de fatores, que vão desde a herança cultural de uma visão moralista do assunto, que vê o dependente de forma marginalizada, à falta de estímulo na formação acadêmica, que não aborda, ou aborda de forma superficial a temática. Este cenário, aliado a outros fatores, pode contribuir diretamente com a baixa procura por profissionais da área de saúde para trabalhar com este público em específico.
O Relatório Mundial sobre Drogas mais recente, lançado em junho de 2023, pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), aponta grande dificuldade de acesso ao tratamento para transtornos associados ao uso de drogas. Em 2021, apenas uma em cada cinco pessoas recebeu tratamento adequado por transtornos associados ao abuso de drogas.
Jovens são os mais vulneráveis
Segundo o relatório sobre a “Carga Global das Doenças” (Global Burden of Disease GBD) da Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso abusivo de álcool e drogas está entre os maiores responsáveis pela morte prematura e pela perda de vida saudável e produtiva nas Américas, causando um grande impacto social, econômico e de saúde pública dessas nações.
A população jovem é a mais vulnerável ao uso de drogas, bem como a mais afetada pelos transtornos associados ao uso de drogas em várias partes do mundo. “Os jovens são mais vulneráveis, por diversos aspectos. Primeiro porque a maturação cerebral ainda não ocorreu totalmente e os processos ficam muito comprometidos, devido ao efeito das drogas no cérebro e a mudança do padrão de funcionamento desse cérebro, por conta das alterações das transmissões químicas que ocorrem nele”, pontua o psiquiatra Rogério Jesus, presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia e membro da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e outras Drogas – ABEAD.
“Além disso, os processos de socialização, de aprendizado também serão alterados, primeiro pelo fluxo de funcionamento daquele jovem em um ambiente habitualmente mais afetado ou vulnerável e desorganizado. Em nosso meio esse é um problema muito desafiador, porque temos uma população com nível de vulnerabilidade social muito grande, com grau de instrução de modo geral mais baixo”, explica Dr. Rogério.
Workshop “Desafios e Possibilidades do Tratamento dos Transtornos Adictivos”.
Data: 20/01das 8h20 às 17h
Local: Auditório da ABM- Rua Baependi, 162, Ondina, Salvador- BA
PALESTRANTES
Rogério Jesus
Psiquiatra, especialista em Dependência Química pela Unifesp, mestre pela UFBA, membro da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e outras Drogas – ABEAD, presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia.
Nicácio Mendonça
Mestre em Psicologia (Dependência de Drogas pela UFPR, com principal experiência na área do tratamento da dependência de drogas, tendo atuado nas principais instituições de recuperação de Curitiba e região), psicólogo, graduado pela UNIVALI. Coordenador da Pós-Graduação em Dependência Química pela Universidade Positivo. Experiência como Professor de Graduação de Psicologia PUC/PR e Pós-Graduação do Bagozzi e da PUC-PR. Sócio fundador do Instituto Frontale. sócio fundador Clínica Árvida.
Luiza Wolf
Psicóloga graduada pela UFRJ, especialista em Transtornos Adictivos pela PUC-Rio. Professora e supervisora do Curso de Especialização em Transtornos Adictivos da PUC-Rio.
Aline Gonzaga
Psicóloga, especialista em Transtornos Adictivos pela PUC-RIO, especialista em Psicanálise da Saúde Aplicada a Instituições pelo Einstein-São Paulo, Especialista em Psicologia Hospitalar e formação em Entrevista Motivacional. Coordenadora técnica da clínica Vale Viver, membro da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e outras Drogas- ABEAD.
Antônio Freire
Doutor em Medicina e Saúde Humana; Professor do DNCSM da UFBA, Professor de Psiquiatria da Escola Bahiana de Medicina, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria do Hospital Juliano Moreira (HJM), Vice-Presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia (APB).Coordenadora do workshop, a psicóloga especialista em Transtornos Adictivos pela PUC-RIO, Aline Gonzaga.