Salvador foi o cenário de um importante encontro global na quarta-feira (18), com a realização do SASA Workshop – Construindo Conexões e Confluências, no Wish Hotel da Bahia. O evento reuniu 70 participantes, incluindo pesquisadores, representantes governamentais e de ONGs, líderes comunitários e artistas, com o objetivo de fomentar parcerias equitativas, moldar estratégias inovadoras e gerar impactos duradouros em questões globais.
Com um foco nas Artes e Humanidades, o workshop abordou temas relevantes como os direitos de mulheres e meninas, conflitos e pós-conflitos, escravidão moderna e humanidades ambientais. O evento buscou aprofundar conexões, fortalecer redes internacionais, documentar realidades locais e explorar oportunidades para parcerias financiadas internacionalmente.
A iniciativa foi liderada pela Keele University, do Reino Unido, que se destaca pela sua abordagem colaborativa em projetos de pesquisa internacionais. Segundo o professor Santiago Abel Amietta, da Escola de Ciências Sociais da Keele, Salvador foi escolhida estrategicamente para sediar o evento devido às conexões regionais e ao foco na América do Sul.
“Queríamos criar colaborações mais equitativas, com atenção às necessidades e perspectivas locais. Salvador nos oferece uma base rica de experiências e conexões estratégicas, alinhando-se perfeitamente ao espírito do projeto SASA, que abrange o Sul da América e o Sudeste da Ásia,” explicou Amietta.
A sigla SASA representa “Sul da América, Sudeste da Ásia”, regiões com as quais o projeto busca desenvolver colaborações profundas. Além disso, workshops semelhantes estão sendo realizados em países como Quênia e África do Sul, expandindo o impacto para o Sul e Leste da África.
No Brasil, a Universidade de Brasília (UnB) é a principal parceira do projeto, representada pelo professor Douglas Pinheiro, da Faculdade de Direito. Para Pinheiro, o evento em Salvador é um marco para descentralizar debates e promover a participação de comunidades locais:
“Trazer esse diálogo para Salvador retira o foco exclusivo do eixo Rio-São Paulo e fortalece o engajamento de comunidades tradicionais. Precisamos influenciar políticas de financiamento de baixo para cima, garantindo que as experiências locais moldem as estratégias futuras dessas agências.”
O SASA Workshop demonstrou o potencial de Salvador como palco de iniciativas globais, promovendo diálogos que conectam o local ao internacional. A expectativa é que os resultados do evento impulsionem novas formas de colaboração e políticas mais inclusivas, gerando impactos duradouros nas regiões envolvidas.
O evento, com duração de um dia, serviu para conectar especialistas e organizações das áreas de pesquisa, sociedade civil e indústria criativa. O workshop foi organizado grupos de trabalho (GT’s), estruturados em três eixos temáticos:
O workshop
-Proteção de Mulheres e Meninas: Esse eixo discutiu os desafios para garantir a proteção e os direitos de meninas e mulheres no contexto brasileiro, incluindo: prevenção e combate à violência de gênero, acesso à educação, desafios da maternidade e do trabalho de cuidado, sub-representação política, desigualdade econômica, bem como o empoderamento e a promoção da autonomia feminina, abordando políticas e práticas que possam fortalecer essas ações.
-Conflitos/Pós-Conflitos e Proteção Humanitária: Necessidade de compreender esses fenômenos a partir das realidades locais, trazendo à tona as vivências e estratégias de resistência de populações e comunidades impactadas. Aqui foi focado em questões de proteção humanitária, direitos humanos e o enfrentamento à escravidão moderna.
-Humanidades Ambientais: Diálogos sobre práticas ecológicas que integrem múltiplos saberes acerca da valorização de recursos naturais. Destacou-se o papel da cultura e das humanidades na busca por soluções que respeitem a relação intrínseca entre comunidades e ambiente. A abordagem reforça a ideia de que o enfrentamento da crise climática precisa ser cultural, ambiental e humano, garantindo que a preservação esteja alinhada às realidades sociais e às identidades locais.
Financiamento Inglês
O SASA Workshop contou com o financiamento do Conselho de Pesquisa de Artes e Humanidades do Reino Unido (Arts and Humanities Research Council – AHRC), que apoia iniciativas em países como Brasil, Malásia, Quênia e África do Sul. Segundo Jaideep Gupte, diretor de Pesquisa, Estratégia e Inovação do AHRC, o Brasil foi escolhido por sua vasta diversidade cultural, social e ambiental, além de temas como os direitos de mulheres e meninas que estão conectados ao cenário de pesquisa local. “O Brasil é um país com vasta diversidade cultural, social e ambiental, o que o torna um cenário extremamente rico para projetos de pesquisa e iniciativas compartilhadas. Este projeto se alinha a um panorama global de iniciativas em países como Brasil, Malásia, Quênia e África do Sul, onde realizamos workshops para debater a equidade nas parcerias. Particularmente, o foco está em respeitar e valorizar os conhecimentos indígenas, além de compreender desafios contemporâneos a partir de uma perspectiva interdisciplinar envolvendo meio ambiente e humanidades ambientais”, afirmou.
Para Gregory Meredith, diretor de Parcerias Internacionais e Engajamento na AHRC, o workshop também é uma oportunidade para identificar áreas prioritárias de colaboração e futuros financiamentos. “O principal ponto aqui é que tipos de financiamento podem surgir a partir deste workshop. Acredito que hoje seja o início de parcerias, com organizações e pesquisadores se reunindo para conversas iniciais. O que esperamos é que essas conversas deem origem a projetos que possam prosperar, seja localmente ou em âmbito internacional”, afirmou. Ele destacou ainda a importância de garantir que os financiamentos sejam sustentáveis, variando entre pequenos valores e grandes iniciativas. “Agora é possível que 100% do financiamento seja destinado ao país parceiro, como o Brasil, fortalecendo grupos de pesquisa locais e fomentando relações confiáveis e engajadas”, concluiu.
Impacto Local
Para Raiça, coordenadora de articulações artísticas da Gameleira Artes Integradas, entidade responsável pela coordenação do Projeto SASA no Brasil, o evento foi pensado para gerar trocas significativas e criar bases para propostas futuras: “É um espaço realmente para gerar uma rede de cooperação, uma troca, né? O workshop foi todo pensado em pequenos grupos de partilha, justamente para rolar uma cumplicidade que fortaleça essas interações, para ajudá-los a propor para o futuro. É preciso gerar dados que deem frutos, eu creio que isso é o mais importante”, afirmou.
O Cacique Juvenal Payayá, do povo Payayá e Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB), destacou o papel do workshop na reconstrução das histórias indígenas e no enfrentamento das narrativas colonizadoras. Participante do grupo de trabalho sobre Humanidades Ambientais, ele destacou: “O que a gente quer, não é só descolonizar a história, mas buscar a nossa história e contá-la. Isso nos dá condições de enfrentar o marco temporal [tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal], esse desmonte que sempre fizeram com nós, indígenas. O Projeto SASA está pondo em prática, nos mostrando. Vejo como uma espécie de confronto de colonizado contra o colonizador. Isso é muito importante”.
Rejane Rodrigues, do Quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas, ressaltou como o workshop auxilia na criação de redes de apoio e na troca de experiências com outras comunidades e financiadores. Para ela, a iniciativa fortalece a resistência diante dos ataques às comunidades tradicionais: “Vejo o projeto criando uma rede de apoio. É importante essa rede, acredito que as mesmas dificuldades enfrentadas pela minha comunidade são vivenciadas por outros, como o povo Payayá e comunidades do Sul do país, tanto em zonas rurais quanto urbanas. Os ataques podem ser diferentes, mas o objetivo é o mesmo: a destruição de comunidades e povos. O workshop também proporciona contato com financiadores, vejo como uma oportunidade de oferecer uma espécie de mentoria, pois as comunidades, que estão na ponta, sabem como os projetos podem ser efetivados e alcançar seus objetivos”.
Além disso, Rejane destacou a importância de encontrar soluções específicas para períodos críticos enfrentados pelo Quilombo, como o recesso de órgãos de defesa: “Então, todas as investidas das pessoas que querem destruir, acontecem nesses períodos. Fazem mais pesado nesta época. Acho que poderia sair daqui, uma perspectiva de que nesses meses cruciais, houvesse um financiador e fazer um projeto, para dar uma movimentação na comunidade para que quando esses órgãos que nos defendem não funcionar, a gente ter um fortalecimento, enquanto liderança e comunidade”, concluiu.