Por Doris Pinheiro
Eu fui visitar o subsolo do Mercado Modelo, onde agora existe a Galeria Mercado. Está simplesmente linda. Comigo, no auxílio luxuoso, a fotógrafa Edivalma Santana.
Inaugurada no dia 10 de janeiro de 2024 a Galeria Mercado abre para o mundo um espaço que ficou muito tempo fechado e que – conta a história oral e popular-, pode ter servido para encarcerar negros escravizados, como um entreposto comercial.
Não há registros oficiais disso, o que não quer dizer que não tenha acontecido, mas logo na entrada um dos vários ótimos e sensíveis textos da curadora Thais Darzé convida o visitante a repensar o lugar neste novo tempo, onde ele passa a ser um receptáculo para a arte, onde se pode saber da história do Mercado Modelo e de sua gente.
A Galeria Mercado tem em seu acervo permanente uma série de fotos em preto e branco que contam um pouquinho da história do Mercado Modelo, três esculturas de Mario Cravo Jr., três réplicas de esculturas de Rubem Valentim e a espetacular instalação de Vinícius S.A. Todos os três artistas são soteropolitanos. Há também duas imagens de santos que foram descobertas durante a obra.
As peças de Mário Cravo Jr. são da série “Cabeças de Tempo”, produzidas na década de 80. A matéria-prima é a madeira de expurgo do incêndio que destruiu o Mercado Modelo em 1984. Este fato causa impacto assim que a gente fica sabendo. A primeira delas, logo na entrada, é um Exu. Nada mais adequado. Atrás dele um jardim de grandes vasos com plantas sagradas. As outras duas estão mais para dentro da galeria. Uma delas tem como inspiração as carrancas. A outra não consegui ver nem saber qual era. Nestas duas estações a iluminação das obras não está boa. Isso precisa ser revisto.
As três obras de Rubem Valentim são peças da série “Templo de Oxalá” em tamanho ampliado, todas em concreto, reproduzidas por uma equipe técnica super capacitada. O piso onde estão colocadas as peças é o do fundo de toda a galeria, com água doce misturada com água do mar que chega com as marés. Eu acredito que só se poderia mesmo colocar as réplicas feitas com um material como concreto. A gente caminha por todos os lugares em cima de passarelas.
Espetacular em seu impacto e perfeita do ponto de vista da adequação ao espaço, é a exposição fixa “Lágrimas”, do artista soteropolitano Vinicius S.A. Com 15 mil lâmpadas confeccionadas artesanalmente, preenchidas com resina, suspensas por redes de nylon. É linda, linda, linda.
Durante as obras de requalificação do subsolo foram encontradas duas esculturas sacras, uma de São José e outra Nossa Senhora da Conceição. As duas foram restauradas e fazem parte da exposição.
Da escultura de Nossa Senhora da Conceição, em madeira, sabe-se que foi doada por dois permissionários do Mercado, Homero Bellas das Horas (conhecido como Sr. Lula) e Arthur Silva Figueredo (conhecido como Sr. Tuca), na década de 1990. A ideia era criar um local para orações para quem visitasse o subsolo. O tipo de entalhe da escultura e os valores estéticos incorporados na obra têm características afrodescendentes. A escultura de Nossa Senhora está bem posicionada dentro da Galeria e quem quiser, pode mesmo fazer suas orações.
A imagem de São José, também em madeira, foi produzida por Zé Eugênio, dado que foi possível obter pela assinatura na parte de baixo da obra. No entanto, as informações sobre o artista são escassas. É possível afirmar que se trata de uma escultura moderna, possivelmente do final do século XX.
A escultura foi mantida no mesmo local em que foi encontrada, mas é bem difícil de ser vista, lá num dos cantos extremos e tendo as “Lágrimas” em volta. Quando ela foi localizada o espaço da instalação “Lágrimas”, de Vinícius S.A., já havia sido definido. O artista interpretou o encontro como uma bênção de São José, já que sempre associou sua instalação ao santo, usando cânticos entoados durante as suas exposições. Então, está tudo bem (risos).
A Galeria Mercado tem também um conjunto de fotografias com um recorte histórico que vai de 1860 aos dias atuais. Fazem parte da seleção fotos de Arlete Soares, Amanda Oliveira, Lázaro Torres, Pierre Verger, Marcel Gautherot, Joe Heydecker, Estúdio Gonçalves e Uiler Costa.
A visitação gratuita ao espaço está disponível de terça a domingo, das 10h às 15h, com uma capacidade inicial de até 200 pessoas por dia. Tem de agendar no instagram @galeriamercado, se não, não entra. Há guias que dão informações básicas na entrada e durante o percurso.
De minha parte, além de achar uma iniciativa sensacional, fiquei com o sentimento de que é preciso rever a iluminação de vários espaços, aumentar a possibilidade de se contar a história do mercado, das pessoas, da cidade, através dos painéis com fotos e que, principalmente, dá pra fazer muita coisa boa lá. Fiquei querendo ver outras mostras de arte, não fixas, fiquei imaginando apresentações musicais, performances de dança, coisas delicadas, artísticas e sofisticadas e, como a chiquérrima visitante Pilar Cambeses, que conheci durante a visita… desfiles de moda.