Avaliações específicas e intervenção precoce podem fazer a diferença no desenvolvimento de crianças com sinais de atraso motor, cognitivo ou de linguagem
Os primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento do cérebro infantil. É nesse período — especialmente nos primeiros mil dias — que se formam conexões neurais essenciais para habilidades motoras, cognitivas, de linguagem e sociais. Sinais como não apontados, não falar ou começar a andar depois do esperado podem indicar atrasos que merecem atenção imediata.
Diferentemente do que se acreditava há algumas décadas, hoje há consenso entre especialistas: é possível — e necessário — identificar e acompanhar essas questões nos primeiros anos de vida.
“Hoje, temos instrumentos validados que permitem comparar a idade cronológica da criança com sua idade de desenvolvimento neurológico em áreas como linguagem, socialização e motricidade” , afirma Silvia Kelly Bosi, neuropsicopedagoga. “Isso nos ajuda a entender se ela está dentro do esperado ou se precisa de estímulos específicos para avançar.”
Segundo Silvia, gestos considerados simples pelos adultos — como mandar beijo ou dar tchau — são marcos fundamentais. “Esses comportamentos não verbais antecedem a linguagem falada. Quando eles não aparecem ou desaparecem, é hora de investigar.”
Um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul indicou que programas de intervenção precoce, com estímulos direcionados por profissionais da saúde e da educação, apresentaram resultados positivos em mais de 80% dos bebês acompanhados. “Uma intervenção precoce pode evitar que pequenos atrasos se tornem barreiras maiores no futuro”, reforça Silvia.
É importante destacar que o atraso no desenvolvimento não significa, necessariamente, a presença de um transtorno. “Pode ser apenas uma baixa estimulação. Mas para diferenciar, é essencial passar por uma avaliação especializada, que leve em conta o histórico familiar, o ambiente e os marcos do desenvolvimento”, explica a neuropsicopedagoga.
Sinais que merecem atenção dos pais e cuidadores
Contato visual: bebês que evitam olhar nos olhos, não acompanham o rosto dos pais ou não respondem ao sorriso social podem apresentar um sinal precoce de alerta. O contato visual é esperado a partir de dois meses de vida.
Resposta ao nome: entre 6 e 9 meses, a maioria das crianças já reage ao ser chamada. A ausência dessa resposta pode ser um indicativo para investigação, especialmente se acompanhado de outros sinais.
Balbúcio e gestos: o balbúcio deve surgir por volta dos 4 a 6 meses, e gestos como apontado, acenar ou dar tchau, por volta dos 9 a 12 meses. A ausência dessas manifestações ou atraso no desenvolvimento da linguagem verbal pode sinalizar a necessidade de intervenção.
Interação social: a criança demonstra interesse em brincar com outras pessoas da mesma idade? Compartilha atenção? Brincadeiras solitárias, repetitivas e com pouco simbolismo também podem indicar atraso.
Comportamentos motores repetitivos: balançar as mãos, girar objetos por longos períodos ou alinhar brinquedos com resistência são comportamentos que, se frequentes, merecem avaliação — podendo estar ligados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Reações sensoriais peculiares: respostas exageradas (ou ausência de resposta) a sons, luzes, texturas e cheiros; incômodo extremo em ambientes com muitos estímulos; ou choro constante em locais públicos, como festas, também podem indicar uma questão sensorial que deve ser investigada.
Atenção: a presença isolada de um ou dois desses sinais não significa, necessariamente, que uma criança esteja dentro do espectro autista. No entanto, quanto mais sinais foram observados e quanto mais cedo foram identificados, maior a importância de uma avaliação com profissionais especializados.
O papel dos pais e do acompanhamento multidisciplinar
Os pais são os primeiros a perceber mudanças ou ausências nos comportamentos esperados. É fundamental que compartilhem essas observações com pediatras e educadores. O SUS disponibiliza, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), avaliações do desenvolvimento infantil por meio da Caderneta da Criança e equipes especializadas.
A atuação multidisciplinar — envolvendo pediatras, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, psicopedagogos, neuropsicopedagogos e psicólogos — é essencial para garantir um plano de intervenção que respeite o tempo e as necessidades de cada criança. Em casos de atraso leve, intervenções simples e orientações familiares podem ser suficientes para promover avanços avançados.
“A estimulação adequada, no momento certo, pode transformar o prognóstico de uma criança”, resume Silvia.
Atrasos sem desenvolvimento não devem ser ignorados nem tratados com descaso. Frases como “cada criança tem seu tempo” podem mascarar sinais que, se envolvidos precocemente, permitiriam um desenvolvimento saudável e pleno. A dúvida, o mais indicado é buscar ajuda profissional — e quanto antes, melhor.
Silvia Kelly Bosi
Cientista e Neuropsicopedagoga, graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional, com especializações em Autismo, Desenvolvimento Infantil, Análise do Comportamento, Neurociências e Neuroaprendizagem. Certificada internacionalmente pelo CBI of Miami em Desenvolvimento Infantil e Avaliação Comportamental. Mestranda em Atenção Precoce pela Universidad del Atlántico (Espanha) e Perita Judicial certificada pela PUC-Rio. Atua com foco em avaliação neuropsicopedagógica e intervenção em contextos clínicos e educacionais.