Por Pedrão Abib – Sambista, compositor e pesquisador
Não há nesse país quem não se contagie ao se aproximar de uma boa roda de samba. Pode até demorar para chegar, olhar de longe, com desconfiança, mas parece que uma força vai atraindo o sujeito, que pouco a pouco vai chegando, de mansinho, até que quase sem perceber, já está completamente absorvido pela energia que emana dessa reunião de pessoas em torno de uma mesa de bar.
A roda de samba é uma expressão da cultura brasileira e, por essa razão, não é exclusividade de nenhuma região em particular. Ela se faz presente em todo o país e se manifesta de várias formas, onde quer que haja um botequim – geralmente o local mais comum e apropriado para uma roda de samba – onde não faltam comida, bebida e pessoas dispostas a passarem horas rememorando o passado que se torna presente a cada acorde de violão ou cavaquinho, a cada batida de pandeiro ou tamborim.
Numa roda de samba são cultuados os grandes sambistas da história e também oportuniza-se que novos compositores mostrem seus sambas ao público. Nessa grande festa comunitária que é uma roda de samba vão saindo dos baús da memória dos participantes, uma infinidade de canções falando do morro, da periferia, de um amor perdido, de algum personagem local ou histórico, da identidade negra, de questões sociais ou filosóficas entre tantos outros temas.
Com toques de poesia, romantismo, ironia e humor, essas composições cantadas e reverenciadas na roda de samba falam da vida e do cotidiano de pessoas comuns, assim como também falam de um passado sempre pronto a instaurar-se no presente por meio do canto livre dos participantes. Por essas razões esses momentos que emanam forte vibração e energia coletiva servem como fator agregador dos sujeitos ali envolvidos, em torno dos sonhos, alegrias e tristezas partilhadas, onde a memória, o sentido de pertencimento, a identidade e a autoestima dessas pessoas são fortalecidas, proporcionando um rico espaço de convivência e aprendizagem social.
Cada roda de samba tem suas próprias características, determinadas pelos usos e costumes de cada comunidade na qual ela acontece. Cada qual possui seus regulamentos internos, o que pode e o que não pode fazer – como pegar um instrumento que não domine para tocar, ou conversar mais alto que a música que está sendo tocada, por exemplo – o que pode gerar caras feias e olhares de reprovação entre os “iniciados” participantes da roda. Mas todas elas têm um ponto em comum: o respeito ao samba e aos grandes sambistas.
A roda de samba é geralmente formada por músicos profissionais e/ou amadores, cada qual portando seu instrumento de cordas, de couro, de sopro, ou de qualquer outro objeto que possa emitir som: pratos, facas, copos, caixinhas de fósforo, baldes, latas, paliteiros, saleiros, garrafas etc., dependendo da tolerância de cada roda e das condições materiais de seus participantes. O que importa é o samba acontecer!
Quem sabe tocar um instrumento é sempre bem-vindo a integrar a roda junto com os outros músicos. Quem sabe cantar também. Mas é preciso saber chegar – um pouco de humildade não faz mal a ninguém! Quem não sabe cantar nem tocar, engrossa o coro nos refrões ou participa batendo na palma de mão. Fique à vontade para sambar no pé também, a dança solo ou acompanhada é parte integrante desse espaço. Todos têm sua chance de participar de uma roda de samba, de uma forma ou de outra.
Comida e bebida fartas são indispensáveis. Os músicos são geralmente “incentivados” com uma boa caninha ou cerveja gelada – o “combustível” para a roda funcionar bem – como dizem alguns. O público ao redor também necessita desse combustível, para tornar o coro mais afinado. Várias são as rodas de samba onde a comida é comunitária, compartilhada com todos os participantes. Todos podem se servir, até mesmo aquele que está ali pela primeira vez e não conhece ninguém, é convidado a comer também. Profundo sentido comunitário!
Como sambista freqüentador de rodas de samba há mais de 30 anos, tenho me interessado cada vez mais por esse espaço social tão significativo. Percebo que as pessoas a cada roda de samba vão se incorporando a essa festa comunitária, vêm sedentas de algo que talvez nem elas próprias consigam explicar direito. O brilho nos olhos e os sorrisos em profusão se espalham pelo ambiente em meio a tilintares de copos de cerveja e cachaça, entre os corpos suados, que se sacodem e partilham suas energias numa celebração coletiva de se sentir brasileiro.
Nesse espaço de sociabilidade proporcionado pelo samba, as pessoas se encontram, trocam experiências, paqueras, olhares e beijos, mas também discutem política, economia, arte e cultura, racismo, machismo, homofobia. Percebem-se enquanto sujeitos, construindo alternativas de participação, socialização, transformação e criação cultural em meio a uma tendência global homogeneizante e pasteurizada por uma indústria cultural que alimenta uma produção pobre e desprovida de alma, de inspiração, de poesia. A Roda de Samba nos inspira a construirmos uma sociedade melhor e um país mais justo !