Por Ildo Simões
Em tudo que é fila que o idoso enfrenta, é sempre uma tragédia. Mas só pra usar uma figura bastante conhecida, idoso no SUS é uma tragédia grega. Embora o idoso muitas vezes more em casa cheia (genros, filhos, netos) ele é sempre um solitário. As visitas lhe cedem, quando muito, um cumprimento, de favor:
–Oi Dona Isolda, a senhora tá ótima.
-Nem tanto minha filha, o último remédio…
– Esquente, não, vai passar.
E aí acaba o diálogo porque a visita é para o safardana do genro e filha que já estão de tramoia pra ir pra farra e lhe pedem desavergonhadamente que olhe os netos enquanto não voltam. No ônibus nunca lhe cedem o lugar, porque existe apenas uma cadeira pra idoso e há, pelo menos, dez idosos naquela ratoeira. Atravesso o sinal sob os impropérios dos motoristas, porque sempre espero um tempinho pra que o semáforo se estabilize e no meio da rua o sinal já fechou. Andar vagaroso, algumas sacolas, tento por gestos, sacudindo os braços, pedir a compreensão dos apressados motoristas e fico mal e porcamente me assemelhando a um cacho de coco seco balançando na ventania.
Chego à fila do SUS engasgada de tanta necessidade de me comunicar e enfrento uma recepcionista de maus bofes, mal amada e que acabou de descobrir que o marido está de cacho com a garçonete da padaria.
-Moça, meus netos demoraram pra sair pra escola, meu genro derrubou café na camisa e precisei lavar pra ele não perder a hora… minha filha….
– Minha senhora, aqui não é confessionário, o ultimo padre que passou aqui já tinha largado a batina e hoje é amante duma ex-freira. A senhora quer o que?
-Uma consulta, minha filha.
-Consulta de que?
-Pera que vou procurar na bolsa que o nome do Dr. Ah,..achei.. é pro..proqui.
-Proctologista.
– Isto
-E quero também um médico de garganta…
-Só pode um. A senhora quer examinar a garganta ou o fiofó?
Voz insegura, face rubra pela indiscrição da atendente que enfrenta uma nervosa e quilométrica fila e já não tem mais pudor em usar sua linguagem chula. Decide-se pelo segundo: Dr. Moises, quatro empregos, sala maior pouquinha coisa que um quartinho de cachorro, nervoso porque o cartão de crédito está estourado e o salário com dois meses de atraso que lhe chama depois de duas horas de espera.
– Deita nesta mesa, tira a roupa, põe os dois pés na parede. A sacola põe lá fora que aqui não tem lugar.
-Ernestina? Traz a lata de vaselina, um espéculo e a lanterna que aqui tá muito escuro.
– Vai doer, Doutor?
– Minha senhora, vamos andar rápido que lá fora tem mais quinze. Se eu ficar aqui dói, não dói, que hora eu vou fazer o exame? A senhora comeu que horas?
-As sete, doutor.
-Tomou o purgante?
– Não doutor
– Tá bom .Volte daqui a três meses. E como é que…?
– Próximo!!!
Tomo algum reme…
– Próximo!!!!
Ah deus, um dia você me paga. Vou lhe rogar uma praga pra que você já nasça velho e precise ir a um proqui. Deixa pra lá. Você já deve ter entendido a intenção.
– Melhor idade? Falar nisso a mãe tá boa?
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