Por Matheus Spiller

Os terreiros de Candomblé e Umbanda de Salvador, templos das religiões afro-brasileiras, fazem parte de um rico circuito de turismo religioso de matriz africana. Os quase 1,2 mil terreiros estão espalhados por toda a cidade e entre os mais visitados estão o Ilê Iyá Omi Àse Iyamasé, também conhecido como Terreiro do Gantois, na Federação, e o terreiro Kalè Bokùn, em Plataforma. Todo ano 5 milhões de pessoas visitam a Bahia em nome da fé e Salvador é o principal destino de toda essa gente. Começando a celebrar o aniversário da nossa cidade, conversamos com líderes religiosos da Umbanda e do Candomblé na capital, para saber como se pode visitar estes locais sagrados e conhecer mais sobre a alma mística, sagrada, sincrética da cidade do Salvador.

Nos terreiros de Candomblé
O Candomblé tem suas raízes nas tradições religiosas africanas trazidas ao Brasil pelos escravizados. Os rituais do Candomblé são conhecidos por sua música vibrante, danças, uso de trajes tradicionais e toda uma série de ricos elementos ritualísticos próprios da religião, como a prática de oferendas aos orixás (divindades que representam forças da natureza).
Salvador é considerada o coração do Candomblé no Brasil. Além de um grande número de adeptos, a cidade possui terreiros históricos que abrem suas portas para visitantes interessados em conhecer mais sobre a religião. O turismo religioso focado no Candomblé pode incluir visitas a terreiros, participação em festivais religiosos e a oportunidade de aprender sobre a história e a cultura afro-brasileira.

A Yalorixa Thaís de Odé Kaleji, do Terreiro de Candomblé Ilê Axé Ode Luz de Gaya, é quem nos conta um pouco mais sobre o turismo relacionado ao candomblé por aqui. Sempre enfatizando que ela não fala por toda a religião, mas traz as suas experiências a respeito do tema.
Thais explica que existem terreiros abertos à visitação: “Hoje em dia temos as casas mais antigas. Como a Casa Branca, a Casa de Exu Maré, o terreiro de Jauá…são casas muito antigas, que já são associações, instituições que fazem esse trabalho de acesso à comunidade e abrem os seus espaços. Então essas casas já tem museus dentro dos próprios terrenos e ficam abertas a visitação, aberto a essas ações”, afirma.
Todas as formas de tratar com o sagrado têm suas peculiaridades. No candomblé não é diferente. Thais explica que a tradição de oralidade, muito forte no Candomblé, demanda certa discrição quanto a alguns processos que se desenvolvem dentro dos terreiros. “Assim como essas casas que já são associações, casas mais novas tendem a ser mais abertas a esse tipo de visitas. As que estão no meio, ao meu ver, não. Existe uma cultura do sigilo por essa perspectiva de que as coisas são passadas pela oralidade, então não se pode falar sobre certas coisas de dentro do candomblé, fora dele”, explica.
O candomblé tem essa característica mais reservada, digamos assim, por uma questão de resistência às intensas perseguições que as práticas da religião sofreram (e ainda sofrem) no Brasil. “É uma religião que foi tão oprimida, que foi tão atacada dentro do cenário histórico, que ela meio que ‘se fechou’ … muito mais por um processo de resistência”, afirma a Yalorixá.
Mas existe um olhar voltado para o Candomblé dentro de uma perspectiva cultural, que trata da religião também como elemento de formação da identidade brasileira. “Um fator positivo é esse resgate dessa galera que tá chegando. Essas pessoas curiosas dentro do cenário religioso, que vem buscando esse lugar de reconhecer as suas identidades, e desconstruir essa educação eurocêntrica, entendendo que a nossa base é formada por essas culturas”, comemora Thais.
“Eu acredito sim, que o Candomblé pode ressaltar esse potencial das artes plásticas, da música, da culinária porque é uma contação de histórias. A gente vai falar das esculturas de barro, a gente vai pegar lá as olarias das ilhas aqui do recôncavo, de Maragogipinho, a gente vai falar sobre a parte de música, resgatar as rezadeiras, sobre a cultura enquanto ervas quanto a natureza nos traz essa condição de auxílio, de cura, de medicina mesmo, né? A gente vai falar dos atabaques, dialogar lá com a galera da capoeira, dentro do culto de Angola… e muito mais. Então tudo isso tem um potencial gigantesco para ressaltar”, conta a Yalorixá Thais.
Visitar um terreiro e conhecer parte da religião e da riqueza ancestral do Candomblé é uma experiência especial. E aqui vamos lembrar que um terreiro de candomblé, é um lugar de religiosidade e respeito. Pedimos à Yalorixa Thaís de Odé Kaleji para enumerar alguns cuidados no comportamento nesses ambientes:
“Eu vou pedir licença. Eu vou procurar o dono da casa. Eu vou respeitar aquele lugar por oitenta. Eu estou aberto a ir a um lugar por mais que eu não entenda. Eu não posso ter preconceito. Eu não posso ter o olhar de demonização do Exú. Essa é a religião de um povo, de uma comunidade. Então primeira coisa é não seja racista, não seja preconceituoso. Não ser sexista. Se observar em relação às falas, aos olhares. Estar ali presente, evitar conversas paralelas. Ir com roupas confortáveis mas com roupas compostas, que não sejam camisetas, roupas transparentes, isso para homens e para mulheres. É preciso ter educação. Eu preciso saber que eu estou entrando na casa de uma pessoa. Então eu tenho que respeitar aquele lugar”, complementa.

Para conhecer de perto a Umbanda
O turismo religioso relacionado à Umbanda é uma experiência que permite aos interessados entrar em contato com as práticas, rituais e locais desta religião afro-brasileira. A Umbanda é caracterizada pela sua natureza sincrética, unindo elementos de diversas tradições. Essa característica de acolhimento a fontes variadas de influências formadoras aproxima a Umbanda da própria “natureza” da capital baiana. Salvador é, ainda bem, uma cidade formada da mistura e com enorme influência das culturas africanas em todos os âmbitos. Nada mais apropriado do que a cidade ter na Umbanda uma presença marcante.

“A Umbanda é muito plural. É uma religião em si. Tem toda uma tecnologia ancestral. E a partir disso ela trata as questões. Mas é uma religião que tem muitas nuances. Há casas de Umbanda que tem um cunho espírita muito forte. Vai ter outras que têm características católicas. Tem as que têm o xamanismo e as questões dos povos originários. E outras com uma forte ligação com a ancestralidade africana”, explica Pai Leandro de Xangô, da Casa de Sultão.
Pai Leandro de Xangô é o responsável pela Casa de Sultão, que fica em Salvador. Ele conta que, em seus quase 40 anos de existência, o local já recebeu visitas de pessoas interessadas em conhecer mais de perto a Umbanda praticada ali. Gente de outras regiões do Brasil e também da Europa. “Como um todo, a Umbanda vai abraçar a todas as pessoas que tiverem o interesse de conhecê-la. Então ela é aberta ao turismo religioso, sim! Mas há nuances que vão depender de cada casa e de cada dirigente”, ressalta. “A gente já recebeu pessoas de Fortaleza, São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, pessoas da Espanha, da França…”, completa.
Para quem sente vontade de visitar, de estar mais perto da religião, Pai Leandro de Xangô orienta a acompanhar primeiro as casas e se aproximar a partir dos pontos de identificação com cada uma delas. Ele lembra também que a cidade oferece lugares que inspiram essa proximidade: “Tem o Dique do Tororó, que é um lugar de culto à natureza. Conhecê-lo tem a ver com esse conceito religioso. O próprio Abaeté é um lugar importante. São lugares ligados a esse culto à natureza. E orixá também é natureza”, conta.
Perguntamos sobre o que a pessoa leva de bom ao visitar uma casa de Umbanda, Pai Leandro responde:
“Eu diria pra você se preparar para uma das melhores experiências que você pode ter. A Umbanda é uma religião repleta de cheiros, que cada casa prepara de um jeito, então é incenso, mirra, benjoim, alecrim…Você vai ter os sons dos atabaques, cada um à sua maneira, os ritmos…uma música, ou ponto, cantado para um Preto Velho segue uma lógica melódica diferente de quando você toca para um caboclo ou quando é para um erê…então é uma experiência sensorial muito rica”, afirma Pai Leandro. “Ver as entidades trabalhando ali é algo que vai mexer muito com você se você estiver atento. Se você tiver a oportunidade então de conversar com eles, ainda que seja um abraço, você vai voltar pra casa novo, descarregado de muita coisa”, complementa.

A Umbanda tem toda essa abertura para a aproximação das pessoas, mas é sempre bom lembrar que as casas ou terreiros são ambientes litúrgicos. Por isso, convém guardar o respeito devido e procurar saber sobre aspectos que podem causar eventuais desconfortos, como a roupa a ser utilizada e o comportamento durante uma visita.
Pai Leandro de Xangô orienta, sempre salientando que cada casa tem as suas peculiaridades:
Roupas: “Nem toda casa obriga que a pessoa vá de branco. A maioria sim…mas não são todas. O que eu recomendo é que a pessoa evite ir toda de preto. Evite decotes, transparências, passar uma ideia sexualizada. Ali é um ambiente religioso…Mas vá com uma roupa confortável, que você se sinta bem”.

Comportamento: “A Umbanda é uma religião inclusiva. Você vai ter pessoas ali de todas as identidades, gêneros, orientações sexuais. Então é importante você entender isso. Ter respeito na tratativa com as pessoas com as quais você vai interagir. Sejam membros da casa ou não.
Ao final: “Eu acredito que ao final dos trabalhos é de bom tom ir lá e falar com a pessoa responsável pela casa. Dizer o que achou da experiência.
Quer fazer um passeio guiado ao locais sagrados do Candomblé e da Umbanda? Listamos alguns bons guias aqui.
https://www.anamaraguiadeturismo.com/
https://diaspora.black/experiences/728/rota-dos-orixas